Viver
Cultivar e incluir ao ritmo dos bombos
20 Anos de Tocándar. Passaram duas décadas desde que os bombos deste projecto soaram pela primeira vez. O grupo da Marinha Grande está mais dinâmico do que nunca e adianta que há um (quase) Congresso que aí vem para celebrar
Os toutiços caídos emolduram-lhe o rosto coberto de sardas. Embora pequena, Yasmine segura com o vigor dos seus 7 anos um bombo pesado, que ainda aprende a dominar. A menina é a aluna mais nova do Tocándar e o exemplo de que a paixão pela música não se mede pela idade... nem pela altura.
Foi numa manhã de ensaios, como esta, enquanto brincava no parque, que o soar dos bombos lhe despertou a curiosidade. Mal conheceu o grupo, quis logo ficar.
Com ela também está Emanuel. Aos 12 anos, é ele quem assume a linha da frente e dirige os colegas. Também ele se rendeu ainda pequeno a este projecto. Tinha 5 anos. Desde então, já aprendeu muito. Gosta de percussão, mas tem na gaita de foles o seu instrumento predilecto. Além da música, são ainda as viagens constantes, os intercâmbios, que lhe enchem as medidas. “É um orgulho” chegar a Espanha e mostrar aquilo que o grupo sabe fazer, expõe o adolescente.
“Tocándar é como se fosse uma família para mim. Faz-me sentir bem”, acrescenta Joana, de 14 anos, que vem de Leiria para participar no ensaio, na Marinha Grande.
Iuri, de 16 anos, escuta os colegas atentamente. Natural do Brasil e a residir na Marinha Grande, decidiu ingressar neste projecto assim que teve conhecimento dele, a partir de um vídeo na internet. É a primeira vez que vê o grupo ao vivo e está a gostar.
Yasmine Bernardes, Emanuel Rosa e Joana Santos fazem parte do conjunto de cerca de duas mil crianças e jovens que ao longo de 20 anos tiveram oportunidade de aprender gratuitamente com o grupo de percussão Tocándar. Nascido em contexto escolar, com mentoria do professor Paulo Tojeira, o projecto depressa ultrapassou os limites da Escola Secundária Engº Acácio Calazans Duarte, na Marinha Grande, para se tornar um projecto cultural e social de todo o concelho e, presentemente, também da região.
No momento em que assinala duas décadas de actividade, Paulo Tojeira relembra as conquistas e adianta as iniciativas que hão-de vir.
Uma bofetada no preconceito
Professor de Educação Física na Escola Secundária Acácio Eng.º Calazans Duarte, Paulo Tojeira recorda que o Tocándar surgiu em contexto escolar, integrado no projecto Aventura. “A escola tem de ser um sítio colorido, agradável. Tem de ter iniciativas onde os alunos se sintam envolvidos, motivados, se sintam bem. Iniciativas que os ocupem saudavelmente”, defende o professor.
Sucede que havia naquela escola um grupo de alunos que “sofria a pressão dos estereótipos”. Eram alunos de Desporto, dos quais Paulo Tojeira era professor, e que “sofriam um certo bullying”. Os outros entendiam que só escolhia Desporto quem não sabia fazer mais nada, conta o docente. “O que não era verdade. Tive excelentes alunos, que hoje são meus colegas, e que na época tinham excelente aproveitamento”, recorda Paulo Tojeira.
Foi através do projecto Aventura, que os alunos desta área passaram a realizar intercâmbios, a organizar torneios,a granjear reconhecimento junto da escola e a melhorar a sua auto-estima. Quando o projecto Aventura terminou, e ao perceber que existia algum consumo exagerado de álcool e de drogas entre os alunos, Paulo Tojeira sentiu necessidade de construir outro projecto, no campo da música, que fosse capaz de lhes proporcionar outras situações de “pica” e de “prazer”.
E assim soaram os primeiros bombos do Tocándar, no ano 2000. “Com instrumentos comprados com grande sacrifício”, o projecto não colheu inicialmente muita aceitação. “O grupo era confundido com um rancho folclórico, com todas as más conotações que isso tem”, lamenta Paulo Tojeira.
Foi após um intercâmbio com alunos holandeses, que os estudantes de cá perceberam que tipo de projecto estava em causa e, em massa, quiseram participar. “Passámos de quatro a 40. Tive de gastar o dinheiro que tinha juntado para ir com a família de férias, para poder comprar mais instrumentos”, recorda o professor.
O projecto depressa começou a crescer e a tornar-se incompatível com a escola, conta Paulo Tojeira, que chegou a ser acusado de “dar demasiado poder aos miúdos”. Ora, “eu não concebo um projecto para jovens, onde os jovens não tenham peso”, explica o professor. A constituição da Associação Tocándar foi a forma encontrada para ultrapassar os limites da esfera escolar.
Pela pauta da inclusão
Além de dinamizar oficinas de percussão, frequentadas sobretudo por jovens e crianças da Marinha Grande, o Tocándar tem estendido o seu projecto a concelhos vizinhos. Em Leiria, por exemplo, Paulo Tojeira foi desafiado a aplicar o seu método de ensino de música às crianças do Centro Escolar da Barreira. A iniciativa tem sido um sucesso e chega já a 200 alunos que, através dos seus ritmos, desenvolvem a coordenação, o pensamento tridimensional e matemático, explica o professor.
E na Marinha Grande, além dos cerca de 50 alunos que ensaiam na Oficina da Música - a sede do Tocándar, situada no Parque Mártires do Colonialismo - mais 12 utentes da Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental da Marinha Grande são regularmente dirigidos por um aluno do Tocándar, que leva o projecto até às instalações daquela associação. E quase todos os espectáculos são oportunidade para unir todos estes alunos, frisa Paulo Tojeira.
O intercâmbio tem sido de resto uma constante
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