Viver
Da Picha à Venda da Gaita, deixando Amor para trás
Roteiro | Alguns nomes curiosos de localidades contém um fundo histórico, outros ainda resultam da apropriação e criação de lendas. É o caso das princesas mouras e das várias histórias de amor ligadas a D. Dinis e à rainha Santa Isabel
Agora que Agosto está bem instalado, sugerimos uma espécie de caderneta de cromos, para completar por estes dias.
O desafio, nestas férias, é coleccionar auto-retratos, que agora são conhecidos por esse termo tão português que é a “selfie”, em frente a placas indicativas de localidades com nomes curiosos no distrito.
Para o ajudar, fica aqui a nossa lista, que está longe de completa, além de delimitada pelas fronteiras do distrito e concelho de Ourém.
Alguns nomes contêm um fundo histórico, outros estarão ligadas à orografia e vegetação, outras, ainda, resultam da apropriação e criação de lendas, a partir de episódios, verdadeiros ou mitológicos que o povo, na sua sabedoria, associou às suas memórias culturais.
É o caso das princesas mouras encantadas e as várias histórias de romance, ligadas a D. Dinis e à rainha Santa Isabel. Para este roteiro, é preciso rumar a norte e encetar um percurso voltado para sul, por algumas das mais curiosas designações de localidades, na região.
Começamos em Castanheira de Pera, junto à praia de ondas artificiais, no centro da vila e tomamos a estrada para a Derreada e para o Camelo. Procuramos, uns quilómetros mais à frente, uma das duplas mais famosas, entre quem se dedica à caça destes cromos.
Falamos, como é óbvio da Picha e da Venda da Gaita. Por norma, as “vendas” seriam tabernas ou mercearias ou mesmo um misto de ambas, à beira da estrada e onde se poderia adquirir quase tudo, da farinha e açúcar avulso, à marmelada ao peso e ao toucinho salgado.
A segunda parte deste nome, poderá estar ligada ao proprietário. O termo “venda” ainda hoje é utilizado no norte do País, para designar a mercearia da aldeia.
“Também poderiam ser pontos de paragem nas estradas, em séculos passados, quando as viagens era feitas em carroças puxadas por cavalos. A Venda da Gaita, da qual há relatos de viajantes estrangeiros do século XVII que a referem como local de pernoita, é um destes casos”, explica Saul António Gomes, historiador e investigador na Universidade de Coimbra.
Por vezes, as vendas não seriam mais do que tendas onde os “vendeiros” - outro topónimo - vendiam comida, vinho ou água aos cansados viajantes. Outras seriam locais de paragem, com estalagem e mudas de cavalos, como a que existiu nas Pedreiras (Porto de Mós), na antiga estrada que ligava Lisboa ao Porto.
“A Cruz da Légua é outro exemplo de uma localidade que adquiriu o seu nome com base num aspecto físico de um local. O termo ‘cruz’ refere-se ao cruzamento e uma légua seria ali medida.”
Mas voltemos à Picha, povoado que dista menos de um quilómetro da Venda da Gaita. Saul Gomes avança explicações, embora ressalve que, neste caso, não há certezas da origem do nome.
“Podem ter tido origem na alcunha ou na profissão de alguém daquela zona. Picha e Picheleiro [na fronteira entre Leiria e Marinha Grande] podem referir-se ao artífice que, além de canalizações, era uma espécie de latoeiro, que fabricava pichéis [recipientes para tirar vinho das pipas ou dos tonéis]…”
Pegar o Touril pelos cornos
Descendo para Ansião, encontramos, quase à borda da estrada, uma Lagoa Parada. Quase no centro da aldeia está um cada vez mais pequeno charco, aprisionado em muros de cimento.
A tradição divide-se. Uns acreditam que o nome se refere àquela lagoa que já terá sido maior, outros acreditam que a Parada era das tropas portuguesas, para assustar os invasores franceses com o poderia lusitano ali estacionado.
Continuamos pelo IC8, em direcção a Sul, e pegamos de caras o Touril. Sem grandes esforços de imaginação, não nos demoramos a rabejar a localidade e avançamos uma explicação tauromáquica para a designação deste local situado a dois passos de Abiul, antiga vila no concelho de Pombal, onde – garante a tradição - existe uma das mais antigas praças de touros de Portugal.
Pouco depois, a passagem por uma outra placa que indica o início da aldeia seguinte engasga-nos e faz-nos pisar o travão a fundo. O nome parece ser uma oportunidade boa de mais para deixar passar.
Fora da viatura, percebemos que, efectivamente, é um caso de publicidade enganadora. Alguém, de lata de tinta em riste apagou diligentemente o H da palavra Vaginha. Dizem que acontece sempre que a placa é trocada.Fazemos o “boneco” de qualquer modo… é óbvio.
Alcobaça
Venda das Raparigas
Pataias
Aljubarrota
Caldas da Rainha
Carvalhal Benfeito
Imaginário
Castanheira de Pera
Camelo
Vacalouras
Leiria
Amor (pronuncia-se à môr)
A-do-Barbas
A-dos-Pretos
Venda dos Pretos
Porto do Carro
Triste-Feia
Casal do Ralha
Ourém
Pedaço Mau
Vilar dos Prazeres
Mulher Morta (e a Mulher Viva)
Óbidos
A-da-Gorda
A-dos Cunhados
Pedrógão Grande
Picha
Venda da Gaita
Muitos nomes de localidades estão ligados a palavras anteriores ainda à ocupação das legiões de Roma ou da presença de gregos e fenícios.
Vocábulos esquecidos pelo tempo, que se divorciaram das línguas de povos, como os celtas ou visigodos, que ocuparam o território. Perante essa herança linguística, com o passar do tempo e apegando-se à tradição e ao folclore local, as populações criaram narrativas, fabulosas bastas vezes, sobre a origem dos sítios onde vivem.
“Terá origem romana, celta ou árabe? Alguns topónimos mantém-se até hoje, como os nomes dos rios Tejo, Mondego, Arunca e Cabrunca. Mas há aqueles que são verdadeiramente misteriosos como os rios Alcoa e Baça ou o termo Litém”, refere Saul Gomes.
As aldeias de Outeiro das Galegas (Pombal) ou Vale Galego (Ansião) estarão intimamente ligadas à migração de pobres lavradores da Galiza que, aproveitando o facto de a língua falada de ambos os lados da fronteira ser, até hoje, praticamente a mesma, desciam para sul e sujeitavam- se aos trabalhos que os portugueses não queriam.
Subsiste ainda a expressão “trabalhar que nem um galego”, para referir uma condiç
Sabia que pode ser assinante do JORNAL DE LEIRIA por 5 cêntimos por dia?
Não perca a oportunidade de ter nas suas mãos e sem restrições o retrato diário do que se passa em Leiria. Junte-se a nós e dê o seu apoio ao jornalismo de referência do Jornal de Leiria. Torne-se nosso assinante.