Sociedade
Florestas: um milhão de euros por ano para comprar terrenos em reservas naturais
Das lamas à sobreplantação, Florestgal quer ser laboratório na área da floresta
A empresa pública Florestgal quer investir pelo menos um milhão de euros por ano na compra de terrenos em zonas com estatuto de protecção natural, numa perspectiva de renaturalização daquelas propriedades.
O objectivo daquela empresa criada após os grandes incêndios de 2017 e sediada em Figueiró dos Vinhos passa por comprar cerca de 500 hectares a privados todos os anos em áreas com estatuto de protecção natural, afirmou à agência Lusa o presidente da Florestgal, Rui Gonçalves.
Se em muitos dos seus investimentos e terrenos há uma lógica de exploração comercial, nestas compras “o objectivo é diferente”, notou o responsável, que assumiu o cargo há um ano, sucedendo ao ex-deputado socialista José Miguel Medeiros.
“Queremos agarrar em novas áreas, que tenham valências em termos de conservação da natureza e queremos renaturalizar esses espaços”, avançou.
Segundo Rui Gonçalves, a empresa procura terras sem interesse comercial, que estejam integradas, por exemplo, em parques naturais, e avançar com projectos de renaturalização, que passam por “olhar para as características do território e dos habitats que possam existir, comparar com o que lá está e, se necessário, ajudar a natureza a recuperar e a encontrar um novo equilíbrio”.
A empresa já comprou 60 hectares na Serra de São Mamede, no Alto Alentejo, estando atenta a terrenos de privados em reservas naturais, como por exemplo junto a Espanha, no norte do país, no Douro Internacional, Tejo Internacional ou na Serra da Malcata, exemplificou.
“Queremos dar o exemplo e mostrar o que se pode fazer e percebemos que os proprietários, em áreas naturais, sentem constrangimentos sobre o que podem desenvolver nessas áreas e nós apresentamos uma alternativa”, apontou Rui Gonçalves.
Apesar de a empresa depender de fundos próprios para a sua actividade (gera receitas através de arrendamentos de terrenos agrícolas e da venda de madeira e cortiça), para este projecto em específico a Florestgal conta com uma transferência de até dois milhões de euros por ano por parte do Fundo Ambiental.
“O património público florestal é muito reduzido e devia ser aumentado. Queremos dar um pequeno contributo nessa área”, vincou.
Quando questionado se o contributo poderia ser maior com uma maior transferência por parte do Estado, Rui Gonçalves salientou que a empresa “é pequena” e não quer “dar um passo maior do que a perna”.
A Florestgal foi criada a partir de uma empresa já existente, a Lazer e Floresta, ‘herdando" os seus activos, que neste momento são cerca de 13 mil hectares distribuídos por 86 propriedades em 26 concelhos de Portugal Continental.
De acordo com o actual presidente, face à dimensão ainda significativa do eucalipto na empresa (a Florestgal herdou eucaliptais que eram da antiga Portucel), há o objectivo de “fazer alguns ajustamentos, principalmente nos eucaliptais”.
“Muitas das áreas onde houve produção de eucalipto, o ciclo chegou ao fim e essas áreas continuam com eucalipto, mas sem viabilidade de exploração comercial”, aclarou.
Nesse sentido, a empresa tem em curso a reconversão de cerca de 60 hectares de eucaliptal num terreno no Mogadouro para carvalhos e sobreiros, assim como um projeto semelhante no Tejo Internacional, em cooperação com o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), de substituição de quase mil hectares de eucaliptos, com carvalhos, sobreiros e medronheiros.
Rui Gonçalves admitiu que o eucaliptal poderá passar a ser um activo minoritário dentro da empresa, mas ressalvou que essa mudança não irá acontecer de “um dia para o outro”.
A Florestgal, empresa detida pelo Estado e criada após os grandes incêndios de 2017, conta com cinco projectos com financiamento comunitário, num investimento global de mais de três milhões de euros, com algumas destas iniciativas a assumirem-se como experiências de novos tipos de intervenção na componente florestal, disse à agência Lusa o presidente da entidade, Rui Gonçalves, que assumiu o cargo há um ano.
“Há algumas coisas totalmente novas”, admitiu, assumindo que a Florestgal, sediada em Figueiró dos Vinhos, quer assumir-se como uma espécie de laboratório vivo de novas experiências no domínio florestal, criando parcerias com universidades.
Um dos projectos aprovados, no valor de um milhão de euros, em Figueira de Castelo Rodrigo, passa por lutar contra a desertificação numa área de 270 hectares “completamente degradada e que deveria ter tido no passado eucaliptos”.
“Vamos fazer um projecto de sobreplantação. Ou seja, vamos plantar muito mais do que seria normal para um projeto de exploração florestal e ver se, ao ter uma densidade muito superior, se conseguimos ajudar a recuperar os solos e dar mais vida à área. Vamos também ajudar a recuperar as linhas de água, num projecto de alteração da natureza do território”, avançou Rui Gonçalves, esperando que o projecto possa ser “um exemplo de luta contra a desertificação”.
O projecto vai ser executado em parceria com a ForestWise – Laboratório Colaborativo para Gestão Integrada da Floresta e do Fogo e a APATA, uma associação de produtores florestais.
Já em Castelo Branco, numa parceria com a Águas de Portugal, a Florestgal vai avaliar o uso das lamas das estações de tratamento de águas residuais como fertilizante numa acção de rearborização com espécies autóctones.
“Vamos fazer uma área de floresta em que vamos usar lamas tratadas para fertilizar os solos e uma área sem lamas e comparar os resultados. Por um lado, queremos ver se as lamas têm capacidade de fertilizante para fazer uma diferença, por outro lado, perceber se têm efeitos indesejáveis que possam prejudicar os solos e ver se é possível que sejam minimizados ou eliminados”, realçou Rui Gonçalves.
Segundo o presidente da Florestgal, a empresa está já também a preparar-se para o próximo quadro comunitário e referiu que haverá outras “experiências”, mas escusou-se a falar delas.
Para além destes projectos, a Florestgal assumiu também recentemente a gestão de três áreas integradas de gestão de paisagem (AIGP) na zona onde está sediada, o Pinhal Interior.
A empresa vai gerir as AIGP de Figueiró dos Vinhos, Pedrógão Grande e Pampilhosa da Serra, num total de sete mil hectares.
“A Florestgal não é proprietária de nenhuma propriedade aqui e achámos que esta seria uma maneira simpática e elegante de podermos intervir neste território”, referiu, acreditando que a dimensão dos três projectos já poderá “fazer uma diferença”.
Questionado pela Lusa sobre a estrutura da empresa que agora lidera, Rui Gonçalves contou que, quando chegou à Florestgal, aquela entidade “tinha dois trabalhadores no quadro [um engenheiro florestal e uma secretária] e vários consultores e prestadores de serviços”.
Entretanto, já entraram para o quadro da empresa um engenheiro civil, uma arquitecta paisagista e um técnico administrativo, esperando chegar ao final do ano com seis trabalhadores.
O objetivo é atingir 12 trabalhadores no mapa de pessoal até 2024/25.
“Não podemos ter custos fixos muito elevados porque precisamos de uma certa flexibilidade”, disse, apontando para a variação das contas da empresa, dependente da venda de madeira e cortiça.
A Florestgal foi criada a partir de uma empresa já existente, a Lazer e Floresta, ‘herdando" os seus activos, que neste momento são cerca de 13 mil hectares distribuídos por 86 propriedades em 26 concelhos de Portugal Continental.