Sociedade
Inclusão na crista da onda rouba sorrisos e espalha alegria
Cerca de duas dezenas de utentes da Associação Oásis foram surfistas durante oito semanas num projecto académico, que pretende ser o mote para uma intervenção na comunidade
Gargalhadas, aplausos, ‘vivas’ e muito boa disposição. A experiência de surfar foi algo inesquecível para alguns dos utentes da Organização de Apoio e Solidariedade para a Integração Social (OÁSIS), de Leiria, que integraram o projecto SurFeliz do mestrado de Miguel de Bastos André, professor da Escola Superior de Educação e Ciências Sociais do Politécnico de Leiria, que quis aliar a felicidade e o bem-estar de pessoas com deficiência intelectual a um trabalho científico.
Pouco passava das 15 horas de terça-feira quando o grupo pegou nas pranchas e se dirigiu ao areal da praia de São Pedro de Moel. Era a última aula para finalizar o projecto de oito semanas. Miguel de Bastos André recordou-lhes as questões de segurança e as técnicas para se colocarem em cima da prancha.
Os utentes mostraram que tinham a lição bem estudada. Já no mar, com boas ondas para os aprendizes de surf, conseguir cavalgar a onda de joelhos já era uma vitória para muitos. Uma conquista aplaudida por todos. Sorrisos – muitos - eram bem visíveis a poucos metros, no areal. Quem passava era alertado pela alegria contagiante que vinha do mar, mas desconhecia que em cima das pranchas estavam pessoas com deficiência intelectual, que se superaram a cada momento.
Os mais ágeis conseguiram mesmo surfar as ondas de pé e a idade não contou para ultrapassar as dificuldades, pois até os mais velhos mostraram destreza em cima da prancha. “Uma das nossas missões é fazer as pessoas felizes. Ou seja, ser uma fábrica de sorrisos. Aqui vimos sorrisos genuínos. É uma coisa que se sente. Temos outras actividades, mas nenhuma teve tanto impacto na vida deles como esta. É pura alegria”, constata Bruno Mourinha, professor de Educação Física e coordenador do Centro de Actividades e Capacitação para a Inclusão da OÁSIS.
Quando chegam à instituição, os utentes vão mais cansados, mas também “mais alegres e mais desenvoltos”. “Em termos físicos, ajudou- os, porque aqui consegue-se trabalhar tudo e depois há a parte social. Houve pessoas que nunca tinham mergulhado no mar e tínhamos grandes dificuldades em as levar à piscina. Aqui entram, estão lá, nem que chova”, revela Bruno Mourinha, que lamenta não poder trazer todos os utentes da OÁSIS, incluindo quem tem mobilidade reduzida. Miguel de Bastos André adianta que desde 2014 tem colaborado com a associação Sorrisos de Julinha.
No ano passado, quando a OÁSIS o contactou estava a entrar no segundo ano do seu mestrado, “com a intenção de fazer um estudo que pudesse dar algum fundamento científico à ideia de que o surf traz felicidade”. Aquilo que seria a tese de mestrado transformou-se num projecto de intervenção comunitária, unindo sinergias “para que todos saíssem a ganhar”.
“Este é um projecto-piloto que vai servir de base para algo que se desenvolva ao longo de todo o ano e que consiga criar postos de emprego para técnicos que sejam formados na área do desporto e na área da actividade física, com populações especiais. A ideia é conseguirmos que seja financiado pelas empresas”, revela Miguel de Bastos André.
Ainda sem os resultados finais, o docente constata que o desenvolvimento dos utentes tem sido “muito forte”. “Tínhamos uma aluna que no início nem sequer queria molhar os pés e conseguimos pô-la de pé na prancha”, revela. “Não sei que resultado o estudo irá dar, mas aquilo que eles já ganharam, e nós ao ver a satisfação deles, só por si, é mais do que suficiente para ficarmos todos felizes”, destacou, ao salientar que a “ideia é poder levar para a comunidade os benefícios daquilo que se está a estudar no mundo académico”.
Miguel de Bastos André pretende reeditar estas oito semanas, para em 2023/2024 tentar arrancar com um projecto bianual.