Viver
O que aconteceu quando o Neandertal e o homem moderno se cruzaram na bacia do Lis?
Nas grutas e abrigos da região de Leiria há verdadeiros achados. Uma equipa internacional de investigadores está de volta ao terreno para compreender como os nossos antepassados se adaptaram à mudança.
Até que ponto a extinção do neandertal está relacionada com a chegada do homem moderno à Europa? A resposta que cientistas em todo o mundo procuram também passa pela bacia do Lis, que é uma espécie de cápsula do tempo com capacidade para preservar os fragmentos mais frágeis do passado. "Há muitas grutas e abrigos particularmente interessantes porque permitem que os sedimentos fiquem preservados, principalmente restos orgânicos, ossos e carvões, que são mais dificeis de encontrar noutras regiões", explica Telmo Pereira, da Universidade do Algarve.
Em 2015, os investigadores descobriram ossadas humanas com mais de 3.000 anos junto ao parque de merendas da Boa Vista, concelho de Leiria. Agora, estão de volta ao local, a que chamam Abrigo da Buraca da Moira, para perceber a dimensão da necrópole e os rituais de morte que lhe estão associados. Até meados de Agosto, vão escavar também no Abrigo do Poço, localizado no Vale das Chitas, na zona da Ramalharia – e estão entusiasmados com as conchas de espécies marinhas já recuperadas, a 30 quilómetros do Oceano Atlântico, que ajudam a compreender o modo de vida e alimentação dos caçadores recolectores, aproximadamente há 12 mil anos.
Se moram nas redondezas e já se perguntaram o que andam ali a fazer, é isto: andam à procura de compreender como os nossos antepassados se adaptaram à vida na pré-história, e, em especial, às mudanças climáticas ocorridas durante a Idade do Gelo. "A nossa pergunta fundamental é exactamente de que forma estes vales encaixados, muito típicos, foram importantes", refere Telmo Pereira, que lidera o projecto EcoPlis em colaboração com a Câmara Municipal de Leiria e a universidade norte-americana de Tulane. É que estes territórios de fronteira, entre paisagens com ecologias distintas, como são a bacia do Lis, a linha de costa marítima e as montanhas do interior, ofereciam em abundância cavidades nas rochas para as populações de hominídeos se protegerem, fauna e flora, sílex, quartzito, sal e água doce, provavelmente decisivos para a sobrevivência nos períodos mais frios e de maior calor.
No Abrigo do Poço, a equipa do EcoPlis desenterrou fragmentos de concha, de mamíferos (ossos de pequenos animais como o coelho, entre outros), de carvões e artefactos em pedra talhada do Paleolítico Superior (pequenas ferramentas em sílex, quartzo e quartzito), típicos da ocupação nómada por Homo sapiens. Já no Abrigo da Buraca da Moira, os trabalhos revelaram vestígios mais recentes de indivíduos da mesma espécie que viveram "de forma sedentária, concentrados em povoados, alguns de dimensão significativa", e que praticavam a agricultura e a pastorícia, descreve Telmo Pereira. Carvões, fauna, ferramentas em pedra talhada, adornos em concha, utensílios em osso e cerâmica, além das ossadas humanas. Na última Primavera, realizaram-se também escavações na Praia do Pedrógão, onde existem elementos do Paleolítico Médio.
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