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Tânia Alves: “Em Leiria, não estamos habituados a ganhar financiamentos públicos”

14 jan 2021 19:44

Gestora cultural

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Tânia Alves: 'Fazer coisas fora da caixa' já não chega!"
Ricardo Graça
Jacinto Silva Duro

No seu trabalho do dia-a-dia, encara as estruturas artísticas como “empresas”, mostrando cuidado com a palavra por todas as especificidades do sector. Especialmente, nos meios locais.
É essencial estabelecer uma visão e delinear uma estratégia a longo prazo, apoiada numa escuta atenta ao território. Temos de encarar a arte e a cultura como Direitos Humanos, tal como a Saúde ou a Educação. Deve haver um posicionamento nacional e local daquilo que se quer fazer a médio e a longo prazo. Sentimos que não há visão. O meu trabalho aborda esse universo local e nacional, privado e estatal, o que obriga a ter abordagens completamente diferentes. Apesar de colocar o sector num cenário sem igual, o confinamento trouxe a possibilidade de pararmos e reflectirmos o que estávamos a fazer e o que queríamos fazer. Agora, não temos tempo para pensar. É tudo muito acelerado e tomam-se as decisões em cima do acontecimento. Isso faz com que se tomem más decisões.

Algumas cidades estão a abrir concursos para programadores dos seus espaços culturais. Quem se candidata deve apresentar um projecto que seque ter um sentido de liderança próximo e profissionalizar as suas equipas, onde cada elemento tem o seu papel. Estamos a falar de dinheiro público, que deve servir para o bem comum. Deve ser avaliado. Contudo, devemos olhar para a avaliação de outra forma. Deverá apreciado e, na sua implementação, avaliado. Outros municípios continuam a apostar na “prata da casa”... 

É preciso saber qual é o entendimento que a pessoa tem do espaço: para quê, onde e para quem. Quanto à “prata da casa”, é preciso um equilíbrio muito importante. Quem gere uma estrutura tem -se entender como um processo de crescimento e uma oportunidade de corrigir os pontos negativos e potenciar os positivos. Infelizmente, há quem entenda a avaliação como algo que lhes vai colocar o cargo em causa. A esfera pública funciona de maneira diferente da privada. Os procedimentos, o ritmo de trabalho e a própria estrutura são diferentes. Trabalho nas duas esferas e os procedimentos são distintos, sendo em alguns pontos incompatíveis. Uma estrutura pública tem procedimentos obrigatórios que, muitas vezes, não a tornam ágil. Já o sistema privado trabalha numa lógica mais directa.

Em Leiria, com o Leirena Teatro, esteve envolvida na iniciativa Sob a Terra, que venceu uma candidatura ao projecto Não brinques com o fogo.
Colaboro há já algum tempo com o Leirena. A pandemia veio alterar a intenção de criar outras produções e de estruturar uma digressão. Este projecto apareceu pela AGIF e pelo Ministério da Cultura e a companhia de teatro avançou. O Fred [Frédéric da Cruz Pires], o director, criou um projecto artístico e eu fiz a gestão do projeto. Optou-se por juntar um consórcio para avançar na candidatura. Falámos com a Omnichord Records, com a Ccer Mais, com a Manipulartes, com a Casota Collective e com a a9)))) e criámos o Sob a Terra. Sabíamos que os artistas estavam a passar um período difícil e foi uma maneira de partilharmos aquele financiamento. Quando o resultado saiu, foi maravilhoso, porque, em Leiria, não estamos habituados a ganhar financiamentos públicos. Por mais que nos candidatemos, para a DGArtes falta sempre alguma coisa. O Leirena, que se voltou a candidatar ao apoio anual da DGArtes, com o Festival Novos Ventos, voltou a ficar no topo da tabela dos não apoiados. A Ccer Mais também não conseguiu...

"Apesar de haver espectáculos, o público nas salas está muito reduzido e já não se consegue trabalhar à bilheteira, por causa da pandemia. 'Fazer coisas fora da caixa' já não chega!"
Tânia Alves

Os critérios de avaliação das candidaturas são transparentes? Os artistas queixam-se que a maior parte dos apoios vão para Lisboa e Porto e que o resto do País recebe as migalhas. Não existem pessoas e projectos de valor no resto do território?
É precisa uma reformulação e uma reestruturação clara do financiamento. Pois, neste momento, não está a chegar de forma igualitária a todo o território nacional. Há quem trabalhe melhor e outros pior, e uns com mais experiência e mais profissionalizados, é certo. O meio é pequeno e, quando olhamos para uma lista, sabemos quem foi e não foi apoiado. No distrito de Leiria, onde há muitas cidades com estruturas artísticas a funcionar, temos de ter um sinal de que isto vai chegar a algum lado. Se isso não acontecer, as estruturas vão acabar por morrer. Apesar de haver espectáculos, o público nas salas está muito reduzido e já não se consegue trabalhar à bilheteira, por causa da pandemia. "Fazer coisas fora da caixa" já não chega!

Perfil
Paixão pela Gestão Cultural
Tânia Alves, 39 anos, é natural de Leiria, foi aluna da Escola de Dança Clara Leão e formouse na Escola Superior de Dança, em Lisboa. Apesar do fascínio por esta forma de arte, nunca quis ser bailarina e, por isso, optou pela variante de Educação.
 
Ao mesmo tempo que dava aulas, integrava e criava projectos, com um fascínio do cruzamento entre a Arte e a Educação. "Foi uma coisa que sempre quis tentar.
 
Fiz formações em Gestão Cultural, quando ainda não se falava nisso em Portugal, embora já fosse algo muito comum na Europa. Quando apareceu um mestrado em Gestão Cultural, Tânia inscreveu-se.
“Já fazia muitas coisas na área e era o que eu queria.” Perante a inamobilidade da cena cultural de Leiria, procurou trabalho em Lisboa e foi contratada pelos Estúdios Victor Córdon, centro criativo pertencente ao OPART.
 
"E continuo a fazer muitas outras coisas. Costumo dizer que quando tenho pouca coisa com que me ocupar, a minha rentabilidade é zero!"