Opinião
A crise dos pais
É urgente responsabilizar os “parceiros” educativos. Está no tempo dos pais. E é responsabilizar, mas sem a fraqueza de ter que pedir desculpa por o fazer
Já falámos da crise dos professores. Falamos agora da crise dos pais. Quase anedoticamente e muito superficialmente, porque o assunto tem muito que se lhe diga.
Em cadernetas de turmas do 8º e 9º anos fui chamado a atenção por vários alunos terem preenchido, no lugar do nome dos seus pais, apenas “Carlos”, “Maria”, “António”, “Josélia”, “Sérgio”, tão somente por não saberem o seu apelido. Noutros casos, vários alunos deixaram em branco a profissão dos pais, por a desconhecerem.
Um dos alunos na profissão do pai respondeu “patrão”, outro “fabrilista” e o outro “madeirense”… Outros não preencheram a morada porque não sabem bem o nome da rua, nem da terra onde vivem. Um bom número deles não sabe a idade dos irmãos, quer dos mais novos, quer dos mais velhos. Muitos não sabem que classificação tiveram na disciplina no ano anterior e, muito menos, o nome dos professores.
A maioria não tem livros em casa, a não ser os escolares. Revistas, tão pouco. (Alguns recebem apenas o jornal da paróquia). Quase todos não sabem o que é uma enciclopédia, porque as que existem estão paradas na biblioteca escolar, sem grande préstimo. (Pois é! Agora temos o Google). De que é que falamos? De analfabetismo funcional? De dificuldades de aprendizagem generalizadas? Parece-me muito mais abrangente que só isso: de desleixo educativo. Da escola? Claro que não! Dos pais, da família.
Que relação educativa tão (des)consolidada é esta ao ponto de os filhos não saberem o nome dos seus pais, nem da sua profissão, nem a idade dos irmãos? E não é preocupante essa falta de pertença a um espaço, a um lugar, quando não se sabe o nome da rua onde se mora? Estes parecem ser sintomas de ambiente familiar em que alguém se desleixou no seu papel de interveniente activo no processo educativo. (E já não falo aqui na questão dos valores, porque esse é um tema muito mais delicado).
Em última análise: falamos de pais que parecem não ter a mínima noção do que ensinar e das suas obrigações educativas e que, não se apercebendo disso ou não querendo superar as suas dificuldades, deixam de ser exigentes, deixam de responsabilizar e perpetuam nos seus filhos as suas lacunas. O argumento de que a vida moderna e as suas dificuldades, a lufa lufa da vida diária, o trabalho intenso, os divórcios e separações, não deixam tempo para “educar”, não justifica só por si este desleixo na aprendizagem familiar.
Estamos fartos de ouvir esses argumentos como desculpa para tudo. Este desleixo é em grande medida cultural, porque não temos tido a capacidade de ultrapassar no plano educativo constrangimentos atávicos. Basta ver o predomínio que tem ainda em muitas famílias a ideia de que o pai é para trabalhar e tudo o que diga respeito a educação e escola é com a mãe (mesmo quando trabalha fora), numa dicotomia que inevitavelmente dá maus resultados. Eu suponho que já não vamos lá com falinhas mansas. Está a perder-se alguma coisa, porque, na realidade, nunca se conquistou.
É urgente responsabilizar os “parceiros” educativos. A escola tem-no sido, bastas vezes. Está no tempo dos pais. E é responsabilizar, mas sem a fraqueza de ter que pedir desculpa por o fazer.