Opinião
A grande (des)união europeia
UE tem um enorme problema estrutural e estatutário por resolver, no que diz respeito à sua liderança
É mais ou menos consensual a simpatia generalizada dos cidadãos europeus pela atual presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, cuja figura discreta e serena tende a incutir confiança nas pessoas e instituições por toda a Europa.
Uma das primeiras grandes decisões que a presidente da Comissão tomou foi negociar a aquisição, para todos os países de forma igual, atendendo naturalmente à proporcionalidade, de todas as vacinas necessárias para o processo de vacinação em massa contra a Covid19.
Mais do que um negócio, essa decisão era, simbolicamente, importante, dado que permitia demonstrar, interna e externamente, que somos um bloco social, económico e político coeso. Tudo apontava para um início auspicioso do mandato da nova presidente da Comissão, quando começaram a surgir no horizonte sinais preocupantes de que essa prometedora expetativa se iria inverter rapidamente.
Por má sorte, a forte aposta na vacina da francesa Sanofi veio a revelar-se um fracasso, devido à demora em chegar ao mercado. A agravar o cenário, o processo de aquisição das outras vacinas disponíveis demorou horrores de tempo, esbarrando em questões burocráticas que, incompreensivelmente, se estenderam ao processo das chamadas aprovações de emergência.
Por fim, a discussão despropositada em torno do preço a pagar pelas vacinas fez com que o processo tivesse corrido francamente mal, especialmente, quando comparado com outros potentados económicos, como os Estados Unidos da América e a Grã-Bretanha, isto para não falar do fenómeno que demonstrou ser o pequeno país que é Israel que, ao contrário da União Europeia (EU), não regateou preços e tem hoje, já, garantida a imunidade de grupo.
Como se não bastasse, e abusando da candura da presidente da Comissão ou da fraqueza do próprio órgão a que esta preside, vários países começaram a negociar, isoladamente, a aquisição de vacinas com os fabricantes, numa lógica de “salve-se quem puder”.
Países como República Checa, Hungria, Áustria e, mais recentemente, a própria Alemanha, ao negociarem a aquisição de vacinas russas, que nem sequer estão aprovadas pela EMA (European Medicines Agency), vieram causar à UE uma fratura exposta muito difícil de reparar.
Em política internacional, nenhum sinal de fraqueza ou de desunião passa despercebido aos principais atores políticos mundiais, e Erdogan, o “sultão” da Turquia, é bem a prova disso.
Numa atitude provocatória, recebeu o presidente do Conselho Europeu e a presidente da Comissão Europeia, disponibilizando para a audiência apenas uma cadeira, quando sabia muito bem que, por força do Tratado de Lisboa, a União Europeia tem dois dirigentes de topo que a representam e não, apenas, um.
É claro que, perante a afronta de Erdogan, Charles Michel nunca deveria ter aceitado ocupar a cadeira que não lhe pertence em exclusivo, mas, lamentavelmente, fê-lo, remetendo Van der Leyen para um sofá marginal existente na sala.
Mais do que um gesto grosseiro, a atitude de Michel revelou que a UE tem um enorme problema estrutural e estatutário por resolver, no que diz respeito à sua liderança, e isso significa uma enorme fraqueza que Erdogan testou e comprovou, perante o silêncio ensurdecedor dos Estados Membros de uma União cada vez mais desunida.
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990