Opinião

Aqui e agora

2 jul 2022 11:35

Parar, pensar sobre o que se pensa e sente, perceber que os pensamentos são apenas isso, refletir sobre as experiências que se vivem, são sementes que levam à capacidade de autorregulação

Já todos fizemos uma viagem em piloto automático, naquele ram ram rotineiro. Eu faço isso constantemente. Quantas vezes oiço nada daquilo que passa na rádio? Ui, vezes sem conta… embrenhada nas coisas que tenho de preparar, nas voltas que tenho de dar ou em memórias e planos futuros, desperta-me apenas uma música boa que aparece de vez em quando ou uma lesma no lugar de automobilista. Aí sim, volto à superfície do momento presente e aproveito o agora sem distrações internas. Não que a realidade consciente do agora seja mais interessante que estes mergulhos que faço cá dentro, mas às vezes dava jeito estar cá fora, eu toda e não apenas uma parte.

Nisto gostava de ser mais disciplinada. Gostava de conseguir estar menos vezes desfocada daquilo que está a acontecer em direto. Teria benefícios a vários níveis: em vez de saber a cor da gravata do jornalista que fala na televisão, por exemplo, saberia antes o que tinha acabado de noticiar, ou numa consulta médica não ficaria presa a uma informação inicial, seguiria o raciocínio clínico e faria as perguntas que só me lembro de fazer depois de sair do consultório.

Mas confesso que nunca fui muito boa a desligar o botão e durante muito tempo mostrei ceticismo em relação à possibilidade de ser possível deixar de ouvir o relator interno que tenho incorporado. Depois pensei, se eu sou assim, sempre a matutar, as crianças com quem trabalho também têm toda a legitimidade de o ser. E como ajudar a calar esta voz que nos conduz para outros lugares em vez de ficarmos ali onde estamos?

Há uns meses fiz uma formação sobre resiliência. Aliás, tratava-se do projeto Rescur, responsável pelo Desenvolvimento do Currículo Europeu para a Resiliência no pré-escolar, 1º e 2º ciclo. Um dos temas abordados, e fundadores até, era o mindfulness, ou atenção plena, se preferirem. Grande seca, pensei, eu não consigo fazer isto, mas desta vez obriguei-me a ouvir, a estar ali e a pensar no assunto. No fundo, só precisava de estar atenta, consciente e presente, de olhar para o momento sem julgamento, de forma gentil e sem intenção de o modificar.

Nesta formação, o mindfulness era apresentado como um recurso pedagógico, um preparar terreno para a aprendizagem e desenvolvimento socioemocional. Várias investigações científicas diziam o mesmo:

 o mindfulness aumenta a saúde psicológica das crianças;

 técnicas de mindfulness, aplicadas num protocolo simples e curto, obtêm resultados positivos na gestão emocional, permitindo disponibilidade para as aprendizagens e melhoria da qualidade de vida dos alunos;

 práticas de mindfulness reduzem a impulsividade, dentro e fora da sala de aula, e a ansiedade nos testes;

 o mindfulness provoca uma mudança na atitude das crianças, que apresentam maior capacidade de responder às dificuldades, menor reatividade emocional e melhorias na regulação do comportamento.

Procurei saber mais, consultei a bibliografia sugerida e li sobre projetos escolares que apostaram no mindfulness, atualmente considerado uma das terapias cognitivo- comportamentais de 3ª geração.E de facto o que li fez-me sentido! Fez-me todo o sentido, em certos momentos, baixar a cavalagem dos miúdos (ex.: quando chegam excitados do recreio) ou fazê-los despertar e sair da nuvem preguiçosa que os acompanha de manhã cedo, pois a aprendizagem só toma lugar quando calmos e disponíveis.

Assim, no frenesim do dia-a-dia, percebi que o mindfulness podia assumir-se como uma resposta à contínua exposição dos mais novos aos muitos estímulos existentes. Parar, pensar sobre o que se pensa e sente, perceber que os pensamentos são apenas isso, refletir sobre as experiências que se vivem, são sementes que levam à capacidade de autorregulação. Através do mindfulness, as crianças podem aprender novas formas de se relacionarem com o que acontece dentro delas, percebem melhor as emoções e têm maior probabilidade de estabelecer relações positivas nas interações com os pares.

Os benefícios parecem sobretudo evidentes ao nível da memória e da concentração, mas também as funções executivas saem a ganhar, com um maior controlo e flexibilidade cognitiva, visível acima de tudo no autocontrolo, na tolerância à frustração, na gestão de conflitos, na redução de ansiedade, na empatia e na compreensão dos outros. Com esta ferramenta, não é preciso eliminar emoções, sentimentos e pensamentos, nem é preciso lutar contra eles ou tentar modificá-los, “basta” aprender a mudar o foco, a redirecionar a atenção.

Como bem sabemos, na vida não conseguimos controlar tudo o que acontece, mas temos a possibilidade de poder controlar a forma como reagimos. Quanto mais cedo soubermos fazer isso melhor!