Opinião

Artes Visuais | Água de colónia, Gonçalo Pena

16 jun 2023 09:02

Embora tenha acontecido em janeiro fiquei com a ideia que tinha visitado a “exposição do ano”

Em janeiro deste ano, fui a Lisboa com o Nuno, o Vasco e o Pedro, ver uma exposição de pintura na Galeria Cristina Guerra – Contemporary Art. Os dois últimos nunca tinham ido a uma exposição numa galeria de primeira linha, e pareceu-me que uma individual do Gonçalo Pena seria uma excelente maneira de começar.

Chegámos quinze minutos depois da hora de início e embora fosse uma quinta-feira, já estava a casa cheia. Estavam a servir mimosas, vinho branco fresquinho, tinto do bom, e cervejas geladas. Abastecemo-nos e fomos espreitar as pinturas. Eram deliciosas. Treze, maioritariamente grande formato, pintadas a óleo, com motivos figurativos, e molduradas com um pequeno filete em mogno.

Estavam ainda expostos cerca de 50 desenhos em formato A4, e a Sra. Cristina Guerra percorria a galeria enquanto borrifava água de colónia (titulo da exposição) pelo ar.

Os meus amigos olhavam para mim com um ar de espantados, enquanto se serviam dos canapés que iam sendo oferecidos por um garçon de camisa branca e colete. Tudo muito chique, mas nada de grande etiqueta entre os convivas, maioritariamente artistas.

Cumprimentámos e congratulámos o Gonçalo, pegamos cada um de nós na folha de sala, uma pequena revista cor-de-rosa, e fomos embora.

Fotografias da exposição podem ser vistas no site da galeria.

No dia seguinte agarrei na folha de sala que tinha trazido, para ler um pouco. Era uma pequena revista impressa em papel cor de rosa, que foi escrita pelo curador João Maria Gusmão. Nada me preparou para o que viria a acontecer. Li tudo, treze páginas, seguido, sempre a rir... João tinha escrito em formato prosa, pequenos poemas, onde interpretava o que estava a acontecer nos desenhos do Gonçalo. Transcrevo aqui um deles e anexo o desenho correspondente, para que o leitor possa entender o exercício.

Ouviu-se falar também d'uma espécie de passarinho de bico mole cuja flora favorita era o tabaco. Esse pássaro era um bico-de-obra incendiário porque fumava sempre enquanto voava. Por onde quer que passasse fazia fogo. Essa espécie de ave só comia fruta podre e carne estragada. Escusado será dizer que o pássaro narigudo era um trambolho, e a fome dele insaciável. Queimar comer e fumar, fumar comer e queimar”.

Embora tenha acontecido em janeiro fiquei com a ideia que tinha visitado a “exposição do ano”, não só pela qualidade das pinturas e da galeria, mas pelo texto que acaba a dizer: “O artista agradece ao curador, o curador agradece ao artista”.

Eu agradeço aos dois.