Opinião

Artes Visuais | Sinfonia em Tons de Branco – Pinturas de Nuno Gaivoto

6 dez 2023 14:38

Ainda há ideias possíveis de produzir em pintura, que são isentas de referência visual. Sensações, estados de espírito ou premonições, por exemplo. As pinturas do Nuno são assim

Nothing is so difficult, and at the same time so exciting, to paint, as white on white - Pierre Auguste Renoir (1841-1919)

O deslumbre pelo branco não é exclusivo do Renoir, em 1500 Da Vinci deixava-se deslumbrar da mesma maneira, em 2023 o mesmo acontece a Nuno Gaivoto e a mim também.

O branco é para os pintores uma espécie de arqui-inimigo/amigo indispensável em cada pintura. Está sempre a apresentar dilemas, a obrigar a tomar decisões. É sinónimo de início e às vezes de reinício. Começar uma pintura e também recomeçar uma pintura... passá-la a branco.

Primeiro dilema será o da tela branca. Por onde começar, o que fazer, que cor usar...? Muito ou pouco ponderado, muito ou pouco decidido, o gesto tem de acontecer, a tela terá de deixar de ser só branca... isto é certo. Tudo o que vier a acontecer dali para a frente terá as consequências da resposta a este primeiro dilema apresentado.

Para se conseguir nuanças e matizes das cores também se usa branco. O espectro vai desde acrescentar apenas um pouco de branco a uma cor, que a muda imediatamente, a acrescentar apenas um pouco de cor a branco, que deixa logo de ser branco, por muito pouco que lhe seja acrescentado. E aqui surge mais um dilema: quanto branco?

É também frequentemente usado pelos pintores figurativos para definir os brilhos das figuras, e com isto sugerir a direção da luz. As sombras e os meios-tons aparecem em consequência desta decisão, o que é escuro e quão escuro, e o que é claro e quão claro. Outro dilema: onde posicionar os brancos?

"Fui ao supermercado", 2020, Nuno Gaivoto

Sendo então um key player neste jogo da pintura, arrisco-me a dizer que muito do estilo dum artista ou duma série de trabalhos dum artista, está directamente relacionado com a sua utilização de branco.

O caso dos mais recentes trabalhos de Nuno Gaivoto (Tomar, 1975) é um dos que comprova isto. A luta assemelha-se à do Renoir, a luta com o branco.

Algumas ideias são possíveis de produzir em pintura porque é fácil preservar o modelo em pose, as que são recolhidas em suporte fotográfico, por exemplo. Observamos e fotografamos ou usamos o que alguém observou e fotografou. Outras não. Outras são possíveis de produzir porque são observadas dum ponto de vista singular, como observar as nuvens ou como o teste de Rorschach. Ainda há ideias possíveis de produzir em pintura, que são isentas de referência visual. Sensações, estados de espírito ou premonições, por exemplo.

As pinturas do Nuno são assim. O registo vai de naturalista a abstrato. Algumas nitidamente foram produzidas a olhar para fotografias, outras, as personagens e os elementos parecem surgir durante o processo de produção e ainda outras onde os sujeitos são coisas como luz ou escuridão, não personificáveis.

Então se o espectro é tão lato, o que distingue este autor?

Ao observarmos a série de trabalhos Sinfonia em Tons de Branco percebemos imediatamente a resposta. Obviamente a utilização de branco, que é avassaladora em qualquer um dos três registos. Constrói sobre branco, com cores carregadas de branco e sobrepõe um número interminável de transparências brancas à procura “daquele branco”.

"Nuclear Dream", 2021, Nuno Gaivoto

O resultado é um número infinito de brancos combinados como uma orquestra, a dialogarem uns com os outros, como que a guerrearem pela nossa atenção. A dizerem: “olha só o quão branco sou” ou “não olhes para ele, repara quão transparente e delicado branco sou eu”.

Nós observadores, a querer dar demanda à exigência de cada um deles, somos arrebatados por tanta branco, e emergidos para dentro deste mundo orquestrado com brancos de Nuno Gaivoto.

Uma sinfonia em tons de branco.