Opinião

Brincadeiras a sério

11 dez 2020 11:19

"Resista à tentação de fazer da brincadeira do seu filho a sua brincadeira."

O brincar assume um papel determinante no desenvolvimento de qualquer criança e assim como o vídeo killed the radio, também os tempos que vivemos têm posto de parte a genuína brincadeira. Seja por razões de segurança, por falta de tempo ou porque a tecnologia tende a substituir os momentos na rua em contacto com a natureza. Brincar é assumidamente importante, mas seremos nós bons brincadores? Sabemos brincar com as crianças*?

É verdade que grande parte das crianças, para alívio dos pais, consegue brincar sem a companhia de um adulto, libertando-os para outras tarefas, mas também é verdade que a sua presença potencia e estimula. No entanto, nem sempre os pais conseguem despir a farda de orientadores, tendendo a estruturar as brincadeiras, dando sugestões e instruções. E aí reside a primeira falha, pois a brincadeira deve ser guiada pelos mais novos, pela sua imaginação. Assim, devemos tão simplesmente observar, imitar as ações da criança e cumprir as suas vontades. Esta nossa aparente passividade faz com que as crianças aprendam a pensar de forma independente.

Também o ritmo e a necessidade de repetição de uma brincadeira devem ser respeitados. Quantas vezes já nos veio à cabeça “outra vez esta história?” “outra vez esta brincadeira?” e não resistimos a fazer sugestões? A mim já me aconteceu! No entanto, as crianças precisam de se sentir confiantes nas suas capacidades e a repetição leva-as ao domínio das mesmas, por isso, mais uma vez é deixarem-se guiar.

Para além deste sentido de confiança, brincar estimula os sentimentos de eficácia e de independência e a brincadeira é dos raros momentos em que a criança pode ser o boss da cena e exercer controlo de forma legítima, estabelecendo as suas regras. Por isso, se os mais pequenos começarem a inventar regras a seu favor, sejamos flexíveis. A nossa cooperação e aceitação trará frutos mais tarde, pois também eles estarão mais dispostos a aceitar as nossas propostas noutras situações. Não vale a pena competir e querer ganhar, nem que seja com a desculpa de ensinar a criança a perder. Oportunidades não faltarão para o fazer. Quando nos juntamos à brincadeira devemos precisamente alimentar a brincadeira sem gerar birras, de outro modo das duas ambas: a criança abandona a brincadeira e sente-se pouco competente. O brincar deve ser livre e permitir à criança ser criativo. Se um lego ganhar asas em vez de encaixar no sítio dele, tudo bem na mesma. É a criança que brinca e não nós adultos com a mania de corrigir o que sai do sítio. Aproveitemos antes para elogiar a sua criatividade e reforçar o faz de conta, ainda que isso nos faça sentir meio totós. O faz de conta tem um poder extraordinário e ajuda a criança a desenvolver competências cognitivas, emocionais e sociais. Às vezes, os medos dos bonecos espelham os das crianças e é neste contexto de fantasia que temos acesso às suas emoções.

Tendemos também a ser muito “perguntadeiros”: Isto é o quê? É de que cor? Qual é o maior? Como faz o cão? E o gato?... A intenção é boa, eu percebo! Também cá estou para dar a mão à palmatória, mas acabamos por condicionar a brincadeira e fazer com que a criança se sinta controlada. Em vez disso, devemos optar por comentar ou descrever o que a criança está a fazer e assim chegamos ao mesmo sítio sem perturbar o desenrolar da brincadeira. Estaremos igualmente a estimular diferentes competências, seja a aquisição de novo vocabulário e de conceitos básicos, a identificação de sentimentos, a promoção de competências sociais, e por aí adiante. Se ainda assim fizermos perguntas, complementar a resposta da criança com uma reação positiva. Por último, nada de fazer por eles. Demasiada ajuda leva à dependência e as crianças deixam de explorar as alternativas possíveis e nós queremos malta capaz de resolver problemas sozinha. No máximo, se a coisa estiver mesmo complicada, podemos sugerir a nossa colaboração, mas nunca assumindo o controlo. Brinque todos os dias um bocadinho, dê verdadeira atenção à trama, deixe-se guiar, não dê instruções e veja acontecer, comente positivamente e resista à tentação de fazer da brincadeira do seu filho a sua brincadeira.

Este seria um bom presente de Natal para os mais pequenos, acessível a todas as carteiras!

 

*para crianças dos 2 aos 8 anos