Opinião

Chuva de verão

28 jul 2024 10:37

Lembrei-me com uma frequência irritante de Leiria, ao ler sobre este homem

Férias neste verão esquisito em que tanto chove como faz sol é uma boa ocasião para ler qualquer coisa e tenho a certeza que se se der ao esforço de entrar numa livraria sairá de lá com um livro que o interesse, umas horas garantidas de viagem a outro mundo. Vale sempre a pena. Eu proponho-lhes um.

Luís Reis Torgal publicou este ano na Temas e Debates um livro onde se transcreve o processo que a Inquisição moveu a Manoel Fernandes Vila Real (1608 - 1652), cristão-novo, ex-militar e financista, diplomata ativo em França detentor de “real cavaleiro fidalgo” atribuído por D. João IV mas a quem o Santo Ofício muito caridosamente não hesita em enviar para o garrote e para o fogo.

Uma história em plena Restauração urdida entre 1649 com a sua prisão e 1652 com a condenação à morte. O livro chama-se Vigias da Inquisição e dá-nos além da transcrição do Processo como já referi a sua contextualização rigorosa e necessária nos jogos de força entre diferentes actores seculares e clericais neste momento atribulado da nossa história.

As vigias do título são os buracos por onde a Inquisição espreitava os prisioneiros a todo o momento de cativeiro. Guantanamo usa a vídeo vigilância. Modernices.

As inúmeras mentiras, a flagrante injustiça, as intermináveis sacanices, a omnipresente hipocrisia, a inveja, a torpe vingança que se vão destilando passo a passo no caminho da condenação não são em nada propriedade exclusiva do passado. Continuam imperturbáveis hoje rumo ao futuro, identificáveis de um modo quase doloroso na realidade que é a nossa.

Lembrei-me com uma frequência irritante de Leiria, ao ler sobre este homem que mal deve ter ouvido falar dela, por caminhos obscuros. Francisco Rodrigues Lobo (1579/80 - 1622) e a sua família próxima foram contemporâneos de Manoel Vila Real e grande parte do que se escreve pode ser aplicado se não a ele diretamente ao seu irmão Miguel, preso e torturado pela Inquisição durante anos. O Poeta propriamente dito safou-se da ignomínia por afogamento misericordioso nas águas do Tejo.

Texto escrito segundo as regras do Novo Acordo ortográfico de 1990