Opinião
Cinema e TV | Isto é uma coisa a ver: Euphoria
Nenhum dos temas é radicalmente novo. Já os conhecemos. Mas ficamos a perceber que a vida hoje nos oferece tudo, demasiado cedo, para retirar a seguir
Euphoria é uma série da HBO, criada por Sam Levinson. Tem duas temporadas e dois episódios especiais. É uma série para maiores de 18 sobre menores de 18, o que nos sugere que a adolescência talvez seja a época mais violenta da vida. E é dessa violência que trata. Tendo Rue (Zendaya) como narradora, revela-nos os dramas da própria Rue e de Jules, Cassie, Maddy, Kat, Lexie, Nat, Ethan, Fezco e Elliot.
O leque de temas é variado: problemas mentais, pais, drogas, álcool, abandono, pornografia, corpo, género, sexualidade, rituais de iniciação, traição, suicídio, gravidez, validação e violência, a violência psicológica, sexual, social e física a que os jovens estão sujeitos na procura da identidade que vão construindo para serem aceites. Ou para serem amados. Porque Euphoria é, sobretudo, sobre amor. Não o amor romantizado, triunfante e redentor, mas como um estado confuso, por vezes caótico, doloroso, que não só não redime como arrasta para a escuridão. Um amor que se confunde com amizade, desejo, raiva ou submissão, desencantado e por vezes violento.
Transversal a toda a série é a necessidade de encontrar novas configurações para as relações, mas o domínio continua a ser masculino (apesar de erodido por contradições) e é a partir dele que as personagens, cis e trans, constroem a feminilidade e ganham ou perdem empoderamento. Nenhum dos temas é radicalmente novo. Já os conhecemos. Mas ficamos a perceber que a vida hoje nos oferece tudo, demasiado cedo, para retirar a seguir.
Não se trata da euforia da primeira vez, mas do que vem depois disso: a necessidade de mais e a incapacidade de preencher as perdas e vazios; a consciência dos danos provocados por um mundo que entrou em nós por via eletrónica, sabe gostos, antecipa desejos e nos escraviza, roubando-nos o sentido. Como conclui o sponsor de Rue num diálogo sublime, para encontrar sentido é imperativo continuar a acreditar no que nos transcende, como a poesia e a beleza de cada momento. E Sam Levinson consegue fazer poesia usando todas as linguagens de que dispõe, criando uma filigrana em que texto, interpretação, guarda roupa, fotografia e som se entretecem para dar beleza a cada momento, mesmo que de dor, desamparo e crueldade.
O resultado é um texto denso, que cruza cinema com outras artes, e nos oferece cenas como o travelling em picado sobre uma casa de banho na noite de finalistas mostrando o que acontece em cada compartimento, ou a alternância entre Cassie a abortar e a fazer patinagem artística, ligada pela música "My Body is a Cage", dos Arcade Fire. Impossível não referir a banda sonora original de Labrinth, com temas como "All of Us" e "Elliot’s Song", centrais às cenas. Toda a música é escolhida para nos situar no universo emocional de Euphoria, que mostra que somos muitas coisas, coisas de mais, incluindo o que não queremos, sem saber como lhes dar sentido.
É uma série da qual não saímos incólumes. Não propõe redenção nem finais felizes. Como a vida. E, como a vida, é de uma beleza que a transcende.