Opinião

Cinema | Dias Perfeitos

12 abr 2024 16:55

Autêntico poema visual, largamente suportado no desempenho de Kóji Yakusho, o actor que dá corpo a Hirayama e que Cannes reconheceu como o melhor entre os seus pares

Oh, it's such a perfect day
I'm glad I spent it with you
Oh, such a perfect day
You just keep me hanging on
– Lou Reed

Hirayama rondará os sessenta anos. Os seus dias são invariavelmente semelhantes uns aos outros. Desperta com o som dos pássaros e o rumorejar das árvores aos primeiros raios da madrugada, apara meticulosamente o bigode e cuida das plantas, antes de vestir um fato-de-macaco azul com The Tokyo Toillet estampado a branco, nas costas. Recolhe os pertences da prateleira junto à entrada e, já no exterior, atenta no céu e retira uma lata de café da máquina de vending instalada no estacionamento à porta de casa. Entra na sua pequena carrinha azul, abre a lata e põe-se a caminho. O percurso, através de uma Tóquio sonolenta e (ainda) tranquila, sob a sombra da enorme torre SkyTree, é acompanhado pela música das suas velhas cassettes (Lou Reed, The Animals, Patti Smith, Otis Redding) enquanto beberica da lata de café.

Hirayama é taciturno. Não no sentido – algo pejorativo – que normalmente se associa à palavra, mas eventualmente pela abordagem que um monge beneditino teria. Silencioso, discreto, cortês, tem, apesar disso, um sorriso fácil, e a forma efusiva e calorosa como é recebido pelas pessoas com quem se cruza nos restaurantes, cafés e outros estabelecimentos onde regressa como parte da sua rotina, deixa adivinhar uma presença empática.

Hirayama limpa casas de banho públicas. É essa a profissão que escolheu. Uma tarefa que abraça com uma energia, entusiasmo e dedicação.que muitos considerariam exagerados para uma função tão pouco valorizada. Ainda assim, Hirayama é feliz. Tem uma alegria sincera nos pequenos momentos rotineiros do quotidiano: reconhecer o padrão da sombra das folhas numa parede; no gesto de registar em filme, com a ajuda de uma máquina fotográfica, a dança entre a luz do sol e a ramagem das árvores, no parque onde almoça; na observação das pessoas com quem encontra diariamente; no retomar a leitura de um livro até ser vencido pelo sono, no final do dia.

Dias Perfeitos (Perfect Days, 2023) é a mais recente longa-metragem de Wim Wenders, autêntico poema visual, largamente suportado no desempenho de Kóji Yakusho, o ator que dá corpo a Hirayama e que Cannes reconheceu como o melhor entre os seus pares, em 2023. Inspirado por uma visita a Tóquio, onde teve oportunidade de acompanhar o Tokyo Toillet Project (em que 15 casas de banho públicas foram desenhadas por arquitetos internacionais) Wenders escreve, em parceria com Takuma Takasaki, este Dias Perfeitos, cuja beleza e sensibilidade seriam suficientes para o tornar recomendável. Some-se a beleza visual, uma banda sonora encantadora e um enredo cativante – apesar da sua aparente simplicidade – e Dias Perfeitos revela-se uma inspiradora surpresa, apesar dos seus longos 120 minutos de duração.