Opinião
Cinema | Do Ouvir ao Escutar
Ao longo do meu percurso académico, na área de cinema, a descoberta da relação entre a imagem em movimento e os outros sentidos (para lá da visão) foi, sem dúvida, estimulante.
A ligação entre a visão e o cinema sempre fora um dado adquirido, mas a relação das imagens com os outros sentidos, isso sim, terá sido uma verdadeira descoberta da juventude.
Começou com o som e Michel Chion, que me ensinava a capacidade do som de ser mais evocativo do que a imagem e o modo como através da montagem da banda sonora as nossas emoções são direccionadas pelo seu impacto.
Foi o período onde a experimentação na montagem do som me absorveu, em que, freneticamente, vi filmes como Memórias do Subdesenvolvimento (1968), de Tomás Gutiérrez Alea, onde a voz-off do personagem adiciona, camada após camada de conteúdo, numa dança surpreendente com a montagem das imagens, uma tonalidade alter ego, crítica e desencantada.
Dali mergulhei na obra de Jean-Luc Godard, vezes sem conta vendo e revendo filmes como Fim-de-Semana (1967), e momentos como o paradigmático plano de sequência do engarrafamento.
A cena que mais me deslumbrou neste filme foi sem dúvida aquela em que um homem incita a sua amante a contar-lhe os detalhes de um momento sexual e um som intrusivo vai variando insuportavelmente de intensidade, abafando os detalhes de uma forma descontinuada: ouvimos um breve detalhe erótico para depois não conseguirmos ouvir o que se segue, para depois voltarmos a ouvir, num loop sadista ao qual nós, espectadores, masoquisticamente nos vergamos.
Para este meu interesse pelo som contribuiu, sem dúvida, o facto de Michael Chanan ter sido meu professor; alguém que conseguia fazer uma ponte entre a complexidade teórica e o conhecimento técnico, algo que é difícil de encontrar em cinema, um campo profissional muito dividido entre os que pensam teoricamente e a nível académico, e os que fazem os filmes que passam no cinema.
O interesse de Michael Chanan pelo som terá começado por razões políticas, o de querer realizar documentários em Cuba, nos anos 80, quando os documentários para televisão ainda eram filmados em película e, nas filmagens, as equipas eram normalmente de duas pessoas: o câmara e o realizador, que gravava o som.
Mas, quando existe um interesse pelo potencial do som na imagem em movimento, esse interesse pelas possibilidades do escutar verte inevitavelmente para outras áreas, como a rádio e as surpresas que este medium pode trazer.
Na minha juventude, em Londres, escutava assiduamente uma rádio intitulada Resonance FM.
Um dia ouvi um programa em que alguém tocou um sino no hospital de Whitechapel e disse: "estão a escutar exactamente o mesmo som que outros ouviram no século XIXE. Foi uma revelação.