Opinião
Cinema | Lusco-fusco
É esta a arte de Michel Franco: tecer, de forma muito subtil mas vigorosa, um delicado enredo, revelado sóbria e lentamente
Até há bem pouco tempo, o nome de Michel Franco era-me completamente estranho. Mea culpa, bem sei, mais a mais nestes tempos em que a informação circula com tanta facilidade. Mas tudo a seu tempo e talvez tenha sido pelo melhor, porque me permito, desta forma, deliciar-me a descobrir o trabalho deste mexicano de 43 anos. Descobrir algo de refrescante e estimulante quando se vê cinema é algo tão difícil de valorar quanto de acontecer (perguntem àqueles senhores do Público que parecem pagar em sangue cada meia estrela com que classificam as suas apreciações).
Consta que o filme que Franco lançou em 2020, New Order, depois de limpar uma série de prémios em Veneza, impressionou fortemente a crítica e lhe abriu várias portas que o prolífico realizador, produtor e argumentista prontamente aproveitou. Isto explicará, em parte, que Crepúsculo (Sundown, 2021) apresente como protagonistas Tim Roth e Charlotte Gainsbourg, o que, obviamente, são dois cartões de visita a não menosprezar. Tim Roth, em particular (que aproveita mais esta oportunidade para provar que é, indiscutivelmente, o maior), personifica toda a carga emocional do filme, impondo-lhe um ritmo e uma toada que o tornam especial e intenso.
Roth é Neil Bennett, um londrino de férias com a família, num resort de Acapulco. Os verdadeiros laços, ligações e o teor das relações familiares são apresentadas de forma lenta, pausadamente pintados em tons surrealistas sobre uma tela de luxo e ócio. Quando uma emergência obriga a família a interromper as férias e regressar, Neil decide abandonar os parentes, ficando sozinho em Acapulco. O resto… bom, o resto é um filme fantástico, inquietante e perturbador, que em apenas 82 minutos cria uma tensão e um comprometimento apenas ao alcance de grandes cineastas. É esta a arte de Michel Franco: tecer, de forma muito subtil mas vigorosa, um delicado enredo, revelado sóbria e lentamente, enquanto envolve o espectador a cada cena, sempre no limite do desconforto e da curiosidade.
Deve haver alguma coisa na água do México que leva a que Franco, como Cuarón e Iñárritu, consigam escrever, realizar e filmar, com tamanha mestria, algo tão visceral, por vezes violento e cru, mas simultaneamente sensível e universal. Não é esta a missão do cinema?