Opinião
Cinema | Os Conformistas
Comecei este ano lectivo a dar aulas em vários mestrados, descobrindo uma atracção pelo ensino tão forte quanto o prazer de filmar
Há uma ligação entre ambos: tentar chegar a uma audiência, mostrar, animar o pensamento.
Filmar e ensinar partilham esta comunhão de chegar ao outro. Os alunos podem ser uma audiência tão frustrante como uma plateia de cinema: podem ser preguiçosos, desmotivados, ignorantes, arrogantes; mas também abertos, entusiasmados, dedicados, pejados de ideias novas.
Descobri que os professores aprendem muitíssimo com os alunos.
Mas, no meio disto tudo, o que mais me preocupa é o conformismo.
Temo que o conformismo, quando se instala em nós, se agarra, infestando tudo, como o bolor numa parede húmida. O conformismo preocupa-me mais do que tudo, porque é alimentado pelo medo e o medo, mais do que nunca, instalou-se na universidade. A instabilidade e o medo imperam.
Para sobreviverem, alunos e professores são induzidos à conformidade, deixando-se moldar; e o problema é que sempre que nos conformamos, algo de livre, desobrigado, morre em nós.
Neste momento em que as aulas têm que ser dadas virtualmente, no outro dia baralhei-me com as janelas abertas no computador, anunciei às alunas que iriam ver um vídeo sobre direcção de fotografia e coloquei por engano um sobre audiências. Continuei a aula como se nada fosse.
Passado um bocado perguntei: "por que é que nenhuma de vocês me disse que mostrei o vídeo errado? Por que não me questionaram?"
Riram, surpreendidas com a pergunta, mas não conseguiram responder.
Na universidade pública cresce a erva daninha das aulas gratuitas, com abusos como a posição de “professor convidado”.
É ponto assente que é preciso conformar, para se chegar a uma posição: alunos que dão aulas gratuitamente; bolseiros que, ao invés de investigar, ensinam; outros, já na carreira, que o fazem também; todos com medo, na esperança de sobreviverem.
Fiquei estupefacta com a realização de que cada vez que abre uma vaga na minha área esta se coloca nos moldes de “para quem foi aberta”.
Tenho acompanhado concursos que gratificam, não a experiência do candidato, mas o número de anos a dar aulas gratuitamente na instituição, ou outras formas de isogamia.
Neste momento, tenho a sorte de dar aulas remuneradas numa universidade privada. Mas por medo de perder a corrida, já dei várias aulas gratuitas em universidades públicas.
É assustador o modo como, 46 anos depois do 25 de Abril, o conformismo e o medo ainda estão tão presentes na universidade pública, alimentados pela precariedade.
Até quando é que isto vai continuar? O que se passa na minha área é transversal: profissionais que passam anos a dar aulas gratuitamente à espera de uma migalha.
Que dignidade há neste processo?
Ensinar não é trabalho?