Opinião
Cinema | Passadeira encarnada
Num cenário cada vez mais dominado pelos gigantes do streaming, a festa do cinema é, em grande parte, televisiva e televisionável
Declaração de intenções: este mês esta coluna conta com um descarado puxar a brasa à sua sardinha, um claro quem parte e reparte e não fica com a melhor parte é tolo ou não tem arte e talvez mesmo um certo quem sabe faz, quem não sabe ensina. Pelo que começo com um adágio popular.
Abril chuvoso, maio ventoso e junho amoroso fazem um ano formoso, já lá diz o povo. A verdade é que, no que toca a estações do ano e aos ciclos da natureza, é cada vez mais difícil confiar na sabedoria popular. Dizem-me que será por causa das alterações climáticas, da perda de biodiversidade, da poluição, da ganância humana, e por aí fora. Provavelmente sim. Da nossa parte, e porque muito alcança quem não se cansa vamos trabalhando para que haja alguma estabilidade, para que sejam perenes as conquistas, e para que os ciclos se repitam. E como tal, fazemos para que em abril… regresse o HÁDOC e o cinema documental em Leiria.
Não somos muito de seguir tendências ou ceder a hypes e talvez por isso tornámos a não acertar no vencedor do Óscar de melhor documentário. Pelo quarto ou quinto ano consecutivo, conseguimos incluir na nossa seleção de sete filmes um dos nomeados (este ano contamos com dois, atente-se) mas nem por isso temos acertado naquele que leva efetivamente a estatueta para casa. É de salientar que a nossa lista surge quando ainda nem tão pouco existem nomeados, o que torna o desafio bastante mais interessante. Mas... nada como tentar outra vez, falhar outra vez, falhar melhor (esta não é ditado popular, mas podia muito bem ser).
Lá para as bandas de Hollywood também não nos facilitam a vida. Num cenário cada vez mais dominado pelos gigantes do streaming, a festa do cinema é, em grande parte, televisiva e televisionável e ostenta-se existir uma maioria inquieta com as minorias, o que é a atitude politicamente correta a tomar e descansa muita gente preocupada com a diversidade. Com papas e bolos se enganam os tolos, mas a coisa parece estar a deixar muita gente feliz, que no fundo é o papel que Hollywood reservou para si, portanto está tudo certo.
Mas dizia que a escolha de melhor documentário recaiu sobre Navalny – uma espécie de manifesto em defesa de Alexei Navalny, opositor político de Putin (atualmente na prisão) – que alinha por esta tendência de “endireitar o errado” e de busca messiânica de ídolos, encaixando, portanto, na tal orientação politicamente correta. O filme em si está muito bem feito, com alguns momentos de “direto noticioso” tão oportunos e surpreendentes quanto suspeitos. Poucos comentários têm havido relativamente à cena em que Navalny admite colaborar com a extrema direita, se for esse o preço a pagar para derrubar Putin, mas, como se diz a oriente, o homem comum fala, o sábio escuta, o tolo discute.
Quanto à programação do HÁDOC, é acompanhar em www.hadoc.pt e em breve haverá novidades.