Opinião
Cinema | Por uma cultura de Cultura
Viajar é algo de fantástico, especialmente porque configura uma oportunidade única para identificar nos outros povos tudo aquilo que lhes falta para atingirem a grandiosidade lusitana
Por razões que naturalmente não cabem nesta coluna, aconteceu-me recentemente estar em viagem para Estugarda. Viajar é algo de fantástico, especialmente porque configura uma oportunidade única para identificar nos outros povos tudo aquilo que lhes falta para atingirem a grandiosidade lusitana. Os alemães em particular, com a sua forte e dinâmica economia, a sua irritante cultura de rigor e uma reconhecida mas absolutamente incompreensível inflexibilidade, está bem de se ver que se estão mesmo a pôr a jeito para serem escalpelizados pelo bisturi do sarcasmo tuga. E não é que é surpreendentemente fácil encontrar o primeiro fio por onde começar a desenrolar a meada? Oh, rápida e óbvia vitória! Basta uma mera incursão na rede ferroviária germânica para desconstruir o mito da pontualidade e infalibilidade alemãs. Diga-se, sem temor, que ao pé da Deutsch Bahn, a CP se parece com um verdadeiro relógio... suíço (talvez de cuco, mas ainda assim suíço). E quanto a respeitar lugares reservados nos transportes públicos? Upa, upa, também aqui batemos os alemães aos pontos, quanto mais não seja pela criatividade que imprimimos às histórias inventadas para justificar o facto de estarmos conscientemente sentados num lugar que provavelmente pertencerá a outra pessoa. Genuinamente incomparável ao silêncio e aparente apatia do passageiro alemão, enquanto muuuuuuuuuuito lentamente reúne os seus haveres para ceder o assento que sabe não ser seu.
Estugarda é a capital do estado de Baden-Württemberg. Famosa, entre várias outras razões, por ser a casa da Bosch e dos gigantes da indústria automóvel Porsche e Mercedes Benz. Enquanto desço a Königstraße, integrado num grupo de visitantes portugueses, todos igualmente ávidos por determinar a exata extensão do logro germânico, a guia que nos acompanha vai debitando informação irrelevante, como o facto de a cidade ter sido praticamente destruída durante os bombardeamentos da 2.ª Grande Guerra. Quer isto dizer que mesmo os edifícios que aparentam remontar ao séc. XVIII ou XIX foram, na realidade, recuperados de acordo com a construção original, após o final da guerra. Um desperdício de energia e recursos, portanto.
É o caso do Castelo Novo que foi pensado para ser a residência do rei, no início do séc. XIX, mas que nunca para esse efeito terá servido. Atualmente alberga alguns serviços governamentais e, ironicamente, (chama-nos à atenção, a guia) nas duas torres que ladeiam a entrada localizam-se o Ministério das Finanças, de um lado, e o Ministério da Cultura, do outro. Sorri quando acrescenta: “nas duas extremidades do palácio temos a entrada e a saída do dinheiro público.” Cripticamente refere ainda: “Estugarda atrai muita gente porque tem várias coisas que as pessoas precisam, como trabalho e uma Ópera.”
Para mim, isto explica, sem margem para dúvidas, porque é que Estugarda nunca foi Capital Europeia da Cultura.