Opinião

Cinema | Silêncio

9 mai 2024 19:27

De uma sensibilidade e beleza fora de série, A Menina Silenciosa pertence à categoria de filmes que deixa marcas indeléveis no espectador e permanece...

Cáit é silenciosa. Dir-se-ia que, mais do que silenciosa, é calma e contida, o que são atributos pouco vulgares numa menina de 10 anos. A vida na Irlanda rural dos anos 1980 pode ser especialmente dura; em particular se se nasceu numa família disfuncional, com muitos irmãos com quem dividir o pão e a atenção (e mais um a caminho...), uma mãe exausta e pouco dada a afetos, e um pai abusivo, alcoólico e violento, que apenas a custo consegue manter em funcionamento uma quinta miserável. Talvez o silêncio e o recato, a observação atenta e a deriva solitária pelos terrenos da quinta, tenham sido a forma que Cáit encontrou de lidar com esta difícil realidade.

Quando os pais de Cáit decidem, arbitrariamente e sem lhe dar nenhum tipo de explicação, que precisam de algum tempo sem a menina por perto, preparam-lhe uma mala e enviam-na para passar os meses de verão com uns familiares afastados. Em casa de Eibhlín e Seán Cinnsealach as coisas são bastante diferentes. Apesar de humildes, a sua quinta é bem organizada, a casa limpa e luminosa e, lentamente, o casal sem filhos começa a integrar Cáit na sua rotina e a oferecer-lhe um espaço seguro e de confiança. A relação com Seán é mais difícil de criar e, cedo se percebe, existe uma história não contada no passado da vida dos Cinnsealach que se traduz na atitude e comportamentos do homem relativamente à criança.

Os meses passam, os laços estreitam-se, mas quando o verão se aproxima do final, torna-se inevitável o regresso de Cáit a casa dos pais.

A Menina Silenciosa (An Cailín Ciúin, 2022) filme falado quase na totalidade em irlandês gaélico, é a primeira longa-metragem do realizador Colm Bairéad. O filme, que estreou na Berlinale, em fevereiro de 2022 e foi aclamado em diversos festivais e salas por esse mundo fora, foi também a primeira película irlandesa a ser nomeada aos Ócares, na categora de melhor filme estrangeiro.

De uma sensibilidade e beleza fora de série, A Menina Silenciosa – trabalho baseado em Foster, um conto de Claire Keegan, pertence à categoria de filmes que deixa marcas indeléveis no espectador e permanece... É impossível não regressar a ele mentalmente, uma e outra vez, seja pelo desempenho imaculado dos atores (incluindo a jovem Catherine Clinch, que dá corpo a Cáit) seja pela forma brilhante como o trabalho de direção conta a história com tanta ausência de palavras.

A imobilidade, o silêncio, os gestos, substituem-se a um guião extensão e recheado de texto que de nada serviria para contar uma história simples mas repleta de sentimento e humanidade.