Opinião
Cinema | Uma visão sentimental de Blow-Up – A história de um fotógrafo
O realizador questiona a nossa relação com o visível: aquilo que vemos define o que é real ou a realidade escapa-se sempre por entre os nossos dedos?
Caríssimos leitores, gostaria de informar hoje, voltarei a falar de cinema clássico. Desta feita, de um filme de Michelangelo Antonioni, um dos cineastas italianos mais conceituados internacionalmente, que alcançou a fama no final da década de 60 e início da década de 70.
O primeiro filme de Michelangelo Antonioni que vi foi o Blow-Up (1966). Marcou-me de tal maneira que continua comigo até hoje. Falo sempre que possível dele nas minhas aulas e, de quando em vez, gosto de relembrar algumas cenas.
Michelangelo Antonioni sempre filmou o vazio. Mas em Blow-Up (1966), esse vazio não é apenas emocional ou existencial – é também visual. Um enigma construído entre a imagem e a sua interpretação. No seu primeiro filme falado em inglês, Antonioni mergulha na Swinging London e no olhar inquieto de um fotógrafo que, ao registar um momento fugaz num parque, pode ter captado um crime. Mas… captou mesmo?
Thomas, o protagonista, é um fotógrafo de moda habituado a manipular imagens e a criar ilusões. Ele domina a arte da encenação, transforma corpos em objectos, mas vê-se perturbado quando a sua câmara parece ter testemunhado algo real. Ao ampliar as fotografias (técnica fotográfica denominada de blow up e daí o título do filme) que tirou no parque, descobre detalhes do que sugere ser um crime. No entanto, à medida que amplia a imagem, esta dissolve-se em grãos e abstracções. O que parecia uma descoberta, esvai-se numa incerteza – a verdade desfaz-se à medida que ele a tenta agarrar.
Este jogo entre a imagem e a realidade está no centro da obra de Antonioni. O realizador questiona a nossa relação com o visível: aquilo que vemos define o que é real ou a realidade escapa-se sempre por entre os nossos dedos? Em Blow-Up, a resposta nunca é dada. A câmara, que deveria ser um instrumento de captura da verdade, revela-se tão falível quanto o olhar humano. O filme não é sobre a resolução de um mistério, mas sobre a impossibilidade de resolver qualquer coisa num mundo onde a imagem engana, distorce e, por vezes, mente.
Blow-Up continua a ser uma obra-prima porque não se esgota numa leitura. É um filme que desafia. Que obriga o espectador a lidar com a ambiguidade e a ausência de respostas fáceis. E, no final, talvez não importe se havia ou não um crime. O verdadeiro mistério de Blow-Up é a imagem em si – aquilo que nos permite ver, mas nunca compreender completamente.
Uma reflexão que tem quase 60 anos e que continua tão actual que arrepia.