Opinião

Cinema | Vamos todos morrer!

11 fev 2022 20:00

A questão que permanece é como e quando, e que mundo deixaremos às gerações seguintes

Vamos todos morrer! Vamos todos morrer! Digna de uma canção ao senhor de La Palice, esta será porventura uma afirmação tão cheia de verdade quanto oca de novidade. Lili Caneças não esteve nada longe de igual truísmo com o seu “estar vivo é o contrário de estar morto” ou, posto de outra forma e como é comummente sabido: nada é certo exceto a morte e os impostos.

A realidade é dura e crua: vamos, efetivamente, todos morrer. A questão que permanece é como e quando, e que mundo deixaremos às gerações seguintes. Em Don’t Look Up (Não Olhem para Cima) comédia negra assinada por Adam Mckay, a iminência da destruição do planeta em consequência da colisão com um cometa, é o ponto de partida para um acérrimo exercício de crítica social e política.

O percurso inicial de McKay, numa bem-sucedida parceria com Will Ferrel que dura até aos dias de hoje em diversos projetos, continha já a semente desta forma de ridicularizar o contexto social, reduzindo-o a um espelho negro e distorcido cujo reflexo se revela demasiado incómodo.

Os seus filmes mais recentes: The Big Short – A Queda de Wall Street, acerca da bolha do imobiliário e a consequente crise económica de 2008 e Vice, um retrato biográfico bastante duro e acutilante de Dick Cheney, o todo-poderoso vice-presidente da administração de George W. Bush, ajudaram a consolidar um estilo muito próprio de realizar que se tornou a imagem de marca de McKay e que por vezes cria a ilusão de estarmos perante um documentário. A este facto não será alheio a escolha dos elencos, recheados de pesos-pesados de Hollywood, em performances camaleónicas. Don’t Look Up não foge à regra, entregando os principais papéis a Leonardo Di Caprio e Jennifer Lawrence (sem esquecer Meryl Streep no papel de Presidente dos EUA), que emprestam uma verosimilhança assustadora às personagens, apesar da (ou talvez devido à) caricatura com que são construídas.

A realidade é dura e crua: vamos, efetivamente, todos morrer. A questão que permanece é como e quando, e que mundo deixaremos às gerações seguintes. Corrupção, ganância, a promiscuidade entre o poder económico e o poder político, a sociedade do espetáculo que coloca as guerras de audiência acima de todo e qualquer princípio e ética, o ruído das redes sociais e a omnipresença da tecnologia, o desprezo pela natureza, as pessoas e o planeta em geral… Não, não se trata de um guião para as legislativas, mas podia muito bem ser. É apenas o reflexo do mundo em que vivemos com um toque de humor retorcido, muito sarcasmo e profunda consciência social.

A realidade é dura e crua: vamos, efetivamente, todos morrer. A questão que permanece é como e quando, e que mundo deixaremos às gerações seguintes.