Opinião
Da Liberdade
Ser livre é, a meu ver, uma forte consciência de nós e do outro
Chegámos a Abril, o nosso mês da liberdade, e quase ninguém deixará de falar dela, de a celebrar, ou de recordar como nos chegou. É fundamental, mas não chega.
De Janeiro a Dezembro vamos evocando o que nos importa mais, começando pelos votos de um bom começo e prosseguindo pelo ano fora com os dias da Mãe, Pai, Avós, Irmãos, Filhos, Amigos, Mulher, Criança, Poesia, Paz, Planeta, Dança, Teatro, Música, Interculturalidade, e por aí fora.
Em cada um desses dias, exclusivamente dedicado, se multiplicam acções, ofertas, alertas, denúncias ou votos, conforme as características do que é evocado ou festejado, tudo em torno do cuidar dos outros, e das grandes questões do nosso tempo.
Depois o dia seguinte chega e a nossa vida prossegue na sua habitual rota agitada, acabando por ser afinal muito pouco, o pouco que dos outros vai cabendo nela.
Chegado que está o mês em que celebramos a liberdade, valerá a pena reflectir sobre como todos os “dias de” de alguma forma vivem dela, e de como, não vivendo, serão apenas evocações vazias, porque a verdadeira liberdade é a que habita em nós e se revela na nossa conduta.
Ser livre é, a meu ver, uma forte consciência de nós e do outro, e de como a liberdade de um se faz com todos.
Somos seres gregários e construímos a sociedade em que vivemos num modo de profunda correlação que não devemos descurar, sob pena de perdermos algo a que damos capital importância.
Neste mundo dos nossos dias, incentivados e habituados a assumir por inteiro o que somos, perseguindo sonhos, lutando por causas e concretizando projectos, talvez nos tenhamos tornado demasiado individualistas para perceber que nos afastamos lentamente de uma percepção mais próxima do outro, não dando conta de quantas vezes alguém não pôde contar connosco por estarmos demasiado ocupados com a importância que nos atribuímos, com a valia das nossas realizações, e com o estabelecer de teias de relações interessantes para novos projectos.
Quantas vezes provocamos alguma tristeza, ou mesmo dor, tanto com a nossa ausência como por uma presença centrada em nós?
Quantas vezes ignoramos o que sabemos ser um pedido de ajuda, de carinho, ou de atenção, porque nos parece ser coisa bem menos urgente do que as nossas coisas são?
Quantas vezes não deixamos alguém entregue à aflição de não saber como resolver o que a assusta, aconselhando-a a ir em frente, a ser forte e a superar o medo, vendendo a ideia, que nos facilita a vida, de que devemos desenvencilhar-nos sozinhos?
Será que nos damos conta de que as nossas atitudes podem representar um pouco menos de liberdade de Ser, para alguém?
Liberdade será então, também, a forma recíproca, de ajudar a deslaçar um nó, a dar um passo que se afigure impossível, a derrotar um medo, a vencer um desalento, ou outra qualquer circunstância, abrindo caminho para que cada um de nós se possa realmente cumprir na Liberdade de Ser o ser que escolheu.