Editorial
Dúvidas de Abril
Vamos contentar-nos com as conquistas do passado e entrar em modo de pré-reforma de um sistema, que apesar dos defeitos provou ter virtudes?
Meio século é sinónimo de idade madura. Celebramos esta semana os 50 anos da queda de um regime de ditadura, controlador e opressor, derrotado pela coragem e persistência de muitos homens e mulheres que, um dia, sonharam ser possível viver em liberdade e democracia.
São inegáveis as transformações sociais, económicas e políticas que o País e a região vivenciaram desde 1974, mas são também muitos os desafios que continuamos a enfrentar. A promessa de uma sociedade mais justa e equitativa, idealizada pelos arquitectos da revolução, está ainda longe de se concretizar na plenitude.
No campo social, por exemplo, persistem os casos de desigualdade, pobreza, precariedade laboral, dificuldade no acesso à saúde e à habitação, que aumentam as situações de vulnerabilidade.
Do ponto de vista económico, depois de altos e baixos, de três intervenções do Fundo Monetário Internacional, de um subprime, uma pandemia e duas guerras, entre outras conjunturas nacionais e internacionais, é real a perda de poder de compra dos portugueses e prioritária a necessidade de uma maior competitividade da economia.
No plano político, crescem as interrogações sobre a solidez das instituições democráticas e a capacidade do sistema para responder às exigências actuais da sociedade. A ascensão de populismos e extremismos, a desilusão com a classe política e a baixa participação cívica são sintomas da crise de representatividade que nos assola e que já se manifesta na fragmentação do Parlamento, na dificuldade em formar governos estáveis e na crescente apatia da população em relação à política.
Estando a nossa democracia em idade madura, vamos contentar-nos com as conquistas do passado e entrar em modo de pré-reforma de um sistema, que apesar dos defeitos provou ter virtudes? Ou preferimos honrar a memória dos que fizeram Abril acontecer, com optimismo, determinação e confiança na capacidade das gerações futuras? A escolha é de cada um de nós.