Opinião

«É um mundo mágico, Hobbes, velho amigo… Vamos explorá-lo!»

20 fev 2025 16:19

Intemporal, polissémica e profundamente criativa, a obra de Watterson mantém a actualidade das obras que tocam em questões universais 

Em Dezembro de 1995, Bill Watterson, o autor de uma das mais amadas tiras de banda desenhada do mundo, dava por terminada a obra-prima com que durante dez anos alimentou mais de 2.000 jornais internacionais. A bordo de um pequeno trenó, na companhia do seu imaginário tigre de peluche Hobbes, Calvin partiria pela mão de Watterson para a exploração de novos mundos longe dos olhares dos leitores e dos holofotes da fama que conseguira alcançar.

As razões apontadas por Bill Watterson para esse fim abrupto, nas escassas entrevistas que deu depois da decisão, seriam a exaustão com a pressão diária da produção de mais de 3.000 tiras durante uma década, a consciência do risco de poder repetir fórmulas e o respeito pela sua criação e pelos leitores que a acompanharam.

A par do fim das tiras da dupla Calvin & Hobbes, Bill Watterson protegeria ainda as suas personagens de qualquer espécie de merchandising ou adaptação a outros formatos que não aquele para o qual tinham sido originalmente criadas. Autorizaria apenas a publicação dos livros (editados em Portugal pela Gradiva) onde seria possível reencontrá-las sem a leitura apressada da imprensa diária, mas onde a fidelidade ao traço e à organização dos quadradinhos e das histórias no espaço, seria possível de manter.

Uma ética criativa que foi aplaudida por muitos e questionada por outros e que gerou em torno da sua figura uma espécie de culto e de admiração que se renova a cada rumor de regresso.

Numa das raras entrevistas que curiosamente deu ao jornal português Público (publicação que popularizou a dupla em Portugal na década de 90), Watterson admitiria que «Calvin & Hobbes foi desenhado para ser uma tira de banda desenhada e que se sentia completamente satisfeito e realizado a desenhar uma. ‘O meu objectivo era sobretudo surpreender-me, falar de coisas que me interessavam e ver se conseguia fazer rir a minha mulher. Se conseguia alcançar uma dessas coisas, enviava-a para os jornais e fazia figas.’»

Em 2025 assinalam-se 40 anos sobre a data da publicação da primeira tira de Calvin & Hobbes, desenho que inaugurou o início da irresistível relação entre Calvin, o miúdo travesso de seis anos que foi buscar o nome ao teólogo João Calvino, e o seu inseparável companheiro de aventuras Hobbes, inspirado no filósofo inglês Thomas Hobbes, e de todo um conjunto de personagens que habitam um universo profundamente original, onde convivem o humor, a ternura, a amizade, e uma leitura profundamente filosófica da infância, do mundo e dos outros.

Intemporal, polissémica e profundamente criativa, a obra de Watterson mantém a actualidade das obras que tocam em questões universais. Talvez seja essa a razão pela qual os seus livros atravessam gerações e conquistam leitores de todas as idades.

E se a ética criativa de Watterson o mantém longe dos holofotes a explorar um mundo à sua real dimensão, resta-nos como leitores reencontrar a cada leitura ou releitura da genial criação que nos deixou, aquilo que de verdadeiramente genuíno ainda permanece em nós. Parabéns Calvin & Hobbes!