Opinião
Em férias
Em cada Verão tenho tempo para me descobrir diferente, para me repensar, e apostar num qualquer caminho novo
Durante as férias de Verão as redes sociais inundam-se de fotografias de férias agitadas, divertidas, ou de belo ripanço, em maravilhosos lugares de paradisíacas paisagens, de lindos pôr-do-sol, e onde não faltam apetitosos pratos, escolhidos de um qualquer inspiradíssimo cardápio.
Mas não são minhas.
Não estou de férias numa estância balnear, nem numa ilha remota, nem numa paisagem serrana.
Estou onde sempre costumo estar, estou em casa.
Não na casa de Leiria, mas na de todos os fins de semana e de quase todas as férias, e onde no Verão se junta há anos a família do costume, até agora apenas com um feliz acrescento e uma triste diminuição.
Entre uma neta de quatro anos e um pai de 92, as quatro gerações que habitam este espaço, suficientemente grande para todos caberem sem atropelos, passa os dias entre o jornal e o tablet, os livros e o telemóvel, a música e os filmes, a companhia das duas cadelas, o Gin, os repetidos mergulhos na piscina, a exploração da pequenina mata, as refeições com tempo, as histórias, as recordações, e as descobertas.
Vivemos descalços, dentro e fora de casa, mas sobretudo vivemos fora, de onde só saímos quando o Sol já se foi e a hora de ouvir notícias, ou porventura o vento, faça apetecer o sofá.
As minhas não são férias de belo ripanço, porque me esfalfo na lida doméstica para este pequeno grupo, entre a cozinha, o aspirador e a máquina de lavar roupa; não me permitem postar fotografias maravilhosas de pôr-do-sol e roupa bonita, porque passo os dias de calções e t-shirt mais do que usados, e porque à hora do pôr-do-sol há sempre imenso que fazer; e não há pratos maravilhosos no cardápio, que por aqui varia entre salada de batata, soufflée, bacalhau assado, o peixinho, as omeletes, a indispensável sopa e toda a frutinha da época, com o melão e a melancia à cabeça e os deliciosos figos colhidos da árvore.
As minhas férias não são de sonho porque fazem parte da minha realidade, e isso enriquece-a na medida em que a vestem de cores diferentes, a fazem ser olhada por outro ângulo e a mantêm acrescida de factos, peripécias e amores, ao longo dos anos.
Por cá, o prazer do reencontro com as pessoas e o lugar é sempre mágico e de cada vez que, à noite, de pés na água e deitada no chão, me demoro a olhar estrelas e Lua e o recorte escuro das árvores, ouvindo os grilos e o som das folhas agitadas pela brisa, é como se visse a vida toda a passar devagarinho e isso confirmasse quem sou.
Do que é de sempre, parece sempre que nada de novo sairá, mas não.
Em cada Verão tenho tempo para me descobrir diferente, para me repensar, e apostar num qualquer caminho novo.
É um relançar precioso, a lembrar o cacto que para aqui veio viver, transplantado da varanda da casa em que nasci e que, maltratado por um jardineiro trapalhão, parecia morto há anos quando, este ano, lançou subitamente três rebentos carnudos e verdes, e vai a caminho de uma flôr.