Opinião

Cinema | Passar o ano a olhar para uma grua

10 jan 2020 20:00

Parece um filme de ficção cientifica, algum ritual do qual não temos conhecimento, alguma premonição, algo distante e longínquo da nossa realidade, e que por isso, se torna incompreensível.

Mas é verdade, em Leiria, milhares de pessoas passaram o ano a olhar para uma grua. Pelo menos é isso que relatam as inúmeras fotografias que vi da efeméride.

Em plena Praça Rodrigues Lobo, aquando das doze badaladas, os olhos colocavam-se virados para o céu num vislumbre único de uma grua. Por coincidência parece que também lançaram algum fogo de artifício nesse exato momento, para disfarçar.

Bem sei, que neste espaço, deveria escrever sobre cinema, mas achei todo este ritual digno de um bom filme de ficção cientifica. Aliás, acho mesmo, e sem qualquer tom de ironia, que com o devido afastamento, isto poderá resultar numa boa temática do género.

Mais ainda, se pensarmos que se pregam ventos de mudança, novos hábitos, novas rotinas, resoluções de vidas, num mesmo cenário e espetáculo que se repetem na cidade há pelos menos quatro anos consecutivos.

Como podemos nós querer que algo mude nas nossas vidas numa passagem de ano, se escolhemos exatamente os mesmos locais para celebrar o acontecimento? Se queremos mesmo mudança, deveríamos ser nós os primeiros a mostrar ao universo alguns sinais...

Sei lá, acho que desde que me conheço que o fogo de artifício é o cliché mundial, é claro que assim nada muda, se somos nós próprios a fazer esta repetição.

Mas felizmente, em Leiria, algo mudou, o ritual de se olhar para uma grua, ainda agora começou.

Resta-nos saber por quantos anos irá durar. 

Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990