Opinião

Já que mais nada podemos fazer

20 mar 2022 15:45

As imagens, os relatos e as histórias que nos chegam são de uma violência atroz

Nas últimas semanas, temos sido assoberbados pelas imagens de um cenário que não antecipávamos voltar a ver no continente europeu: guerra.

Estúpida, se é que haverá alguma que não o seja, em que a evidência de uma vítima, a Ucrânia, e de um agressor, o regime de Putin, são tão claros que é quase unânime a condenação e o choque pelo drama em que um país e um povo mergulharam de um momento para o outro.

Não nos esqueçamos, entretanto, que a condenação desta atrocidade não foi feita por um partido com representação parlamentar: o PCP. Que a memória não nos falhe.

As imagens, os relatos e as histórias que nos chegam são de uma violência atroz, tal como a dificuldade que cada um de nós, à distância, tem de minorar o sofrimento de tantos milhões de pessoas.

Porém, mesmo longe, os portugueses voltaram a mostrar um dos seus traços mais distintivos e assinaláveis: a sua profunda e generosa solidariedade.

De cidadãos anónimos a organizações da sociedade civil, passando por empresas, Governo e autarquias locais, tem sido espantoso o esforço coletivo nas diversas iniciativas solidárias que vão desde o envio de bens tão necessários para um país em guerra onde falta quase tudo, como em acolher aqueles que ficaram sem casa.

Leiria tem sido, nesta matéria, exemplar pela forma como se preparou para receber os refugiados de um país em conflito armado.

Face à irracionalidade desta invasão e à violência dos seus efeitos, Portugal tem sabido estar à altura do papel que ao longo da sua história lhe tem estado reservado: sabe receber, independentemente das inúmeras dificuldades que também tem por debelar, ainda que quase insignificantes se comparadas com aquelas com que o povo ucraniano se depara.

Nos últimos dias, e sempre que vejo mais uma destas iniciativas solidárias levadas a cabo em Portugal, tenho-me recordado de uma das passagens de uma das obras que mais aprecio de Saramago, a Claraboia.

A dada altura alguém afirma que “Vivemos entre os homens, ajudemos os homens”, e obtém como resposta a pergunta “E que faz o senhor para isso?”.

A réplica desconcertante do sapateiro é lapidar: “Conserto-lhes os sapatos, já que nada mais posso fazer agora.”

 

Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990