Opinião

Komorebi

5 jun 2025 08:00

Palavra japonesa que designa a luz que atravessa a densa folhagem das árvores. A beleza efémera da luz do sol quando passa por entre a copa das árvores. A dança subtil das folhas ao sabor do vento.

Após a pandemia que fechou o mundo em 2020, Wim Wenders, um dos mais célebres realizadores alemães contemporâneos, recebeu um convite de Koji Yanai (CEO da marca de moda internacional Uniqlo), para conhecer o Tokyo Toilet Project, no Japão.

Este projecto, executado em 2020, envolveu a remodelação de 17 casas-de-banho públicas japonesas no bairro de Shibuya, por 16 designers e arquitectos internacionais, entre os quais o autodidacta e prémio Pritzker, Tadao Ando.

O objectivo deste convite seria desafiar Wenders a realizar um conjunto de curtas-metragens que reflectissem a originalidade do projecto e documentassem o virtuosismo arquitectónico de cada uma das casas-de-banho, revelando-as assim ao mundo.

Wenders aceitou o convite. Visitou Tóquio, mas o que viu transcendeu o plano inicial.

Em parceria com o co-argumentista Takuma Takasaki, acabaria por escrever o argumento para uma longa-metragem de ficção sobre a história de Hirayama, um homem de meia-idade solitário que se ocupa da limpeza diária das 17 casas de banho do Tokyo Toilet Project.

Dias Perfeitos (agora disponível em streaming), o título que Wenders daria ao filme e que convoca a canção de Lou Reed com o mesmo nome, acompanha a rotina diária de Hirayama (papel protagonizado por um irrepreensível Koji Yakusho) desde que acorda até ao momento em que regressa à sua modesta casa e adormece rodeado de livros, fotografias, plantas e música. 

Tudo é aparentemente simples e regular na vida de Hirayama. 

As pequenas alegrias de um quotidiano rotineiro parecem aproximá-lo de uma certa ideia de felicidade. 

O esmero com que limpa as casas-de-banho, a refeição frugal que come no jardim a observar komorebis, as idas à livraria em busca dos livros de William Faulkner e Patricia Highsmith, as visitas ao restaurante onde é recebido com o afecto contido da dona, as cassetes que ouve a caminho do trabalho enquanto o sol nasce. 

Contudo Wenders, num exercício de osmose com a subtileza da cultura japonesa que desde há muito o fascina, não deixa de captar as sombras e a melancolia que parecem acompanhar Hirayama. 

A chegada inesperada da sobrinha a sua casa e uma súbita visita da irmã que não vê há vários anos para levar Niko de volta, acordam então memórias passadas que apenas se anunciam no abraço com que se saúdam, na emoção dos olhares que trocam e numa pergunta final que permanece sem resposta cabal. 

Wim Wenders não nos revela muito mais depois desta despedida e do retorno de Hi-rayama à sua rotina solitária. 

Tudo se intui, porém, nos três últimos minutos gloriosos do filme. Em mais uma madrugada a conduzir para a sua nobre tarefa de limpar casas-de-banho ao som de uma canção interpretada por Nina Simone – Feelling Good – vemos a vida toda de Hirayama a percorrer o seu rosto à medida que o sol sobe no horizonte. 

As suas escolhas, os seus erros, as suas sombras, a sua liberdade. Impermanência e recomeço em mais um dia «perfeito».