Opinião
Letras | Adélio Amaro (2024), Diva Mitológica - 73 Sonetos OU os arquétipos do mundo feminino
O labor desta obra clássica é notável, sobretudo pelo rigor da forma
Adélio Amaro, natural de Leiria (n. 1973) e de ascendência açoriana, é conhecido na ‘praça leiriense’ pelo seu meritório trabalho na área comunitária e social. Presidente do CEPAE (Centro do Património da Estremadura), consultor para a Cultura Popular do Município de Leiria, presidente da BiblioRuralis, diretor do jornal Gazeta Lusófona (Suíça), coordenador editorial da ed. Portugal Mag (França), foi jornalista profissional, diretor e fundador de vários jornais, colabora na imprensa nacional e internacional, tendo participado em vários congressos e como curador de eventos culturais, e ainda impulsionador de antologias de Poesia em vários países. Membro de Associações e Academias, é autor, coautor e coordenador de mais de 70 livros. Tem constituído, pois, obra de vulto na área da etnografia, e é atualmente doutorando, pela Universidade dos Açores, em ‘Ilhas Atlânticas: História, Património e Quadro Jurídico-Institucional’.
A sua ligação à área da Literatura nunca se deixou de fazer sentir, não apenas como impulsionador, mas também como criador. Abraçar uma estrela é um primogénito poético, não datado, que põe o leitor de sobreaviso para esta irrupção de 73 sonetos (a década em que nasceu?), intitulados Diva Mitológica, com prefácio de Manuel Algarvia, da ed. In-finta. O labor desta obra clássica é notável, sobretudo pelo rigor da forma: todos os sonetos se exprimem segundo a forma clássica, em versos alexandrinos (de doze sílabas), e a maioria deles apresenta o esquema rimático canónico: a) b) b) a) / b) c) c) b) / d) e) f) / d) e) f), com uma ou outra variação.
Dedicados à sua mãe, os sonetos distribuem-se pela larga tradição mitológica; porém, cada um deles aponta para a essência da feminilidade. Se quiser ler os sonetos devidamente contextualizados, o leitor fará um trabalho de investigação sobre cada uma das mulheres / deusas apresentadas, para chegar à conclusão de que elas se associam maioritariamente à mitologia grega (Afrodite; Ártemis; Atena; Cibele; Deméter; Eos; Éris; Gaia; Hebe; Hera; Héstia; Perséfone; Reia), romana (Aurora; Ceres; Diana; Epona; Fortuna; Juno; Minerva; Sequana; Vénus; Vesta; Vitória), egípcia (Anate; Hator; Ísis; Maat; Mereteseguer; Néftis; Neite; Nut; Sátis; Sexate), nórdica (Freia; Frigga; Fulla; Gullveig; Iduna; Nótt; Sif; Skadi; Sól), eslava (Devana; Koliada; Kupala; Lada; Morana; Vesna; Zaria), suméria (Inana; Namu; Nana; Ninursague; Tiamate), fenícia (Astarte; Tanit), céltica (Danu; Dodola; Matrona), africana e brasileira (Iansã; Iemanjá; Obá), irlandesa (Badb; Brigit; Ériu), chinesa (Chang’e; Mazu; Nu Kua; Xi Wangmu), japonesa (Amaterasu; Izanami) e árabe (Uza). É notório que algumas das deusas romanas são evolução das gregas; porém o arquétipo poderá sempre ser procurado mais longe, num mergulho pela profundidade da mitologia, campo de largos horizontes.
Essência da maternidade, da fertilidade, da beleza e da produção agrícola, ou da caça, partos e guerra, também sentimentos de ciúme, discórdia e inveja caracterizam estas ‘divas’, a quem o poeta se dirige e com quem se funde, reflete ou se apieda. Únicas, cada uma das deusas se pode ligar às qualidades humanas da feminilidade pela virtude, força, coragem, beleza, sabedoria, amor, erotismo, resistência, luta... O poeta confessa que “Não há derrota maior que a falta de um abraço…” (opus cit., p. 93) – e deixa o abraço feminino fundador do mundo, através de um labor inusitado e raro na atualidade. A mitologia no feminino permanece em nós…