Opinião
Letras | Ana Cristina Alves (2022), Visitações: as muitas (tantas) portas do/para o espírito
Uma entrada luminosa a quem quiser entrar na/pela porta da cultura chinesa
Há encontros felizes e outras surpreendentes e deslumbrantes: por motivos profissionais encontrei-me com Ana Cristina Alves (ACA, 1963, em Moçambique), enquanto coordenadora do Centro Cultural e Científico de Macau, em Lisboa, ela na qualidade de orientadora de estágios da ESECS-IPL do curso de TIPC e eu enquanto supervisora dos estagiários, estudantes finalistas do 4.º ano da licenciatura (que, excecionalmente, não acompanha os curricula de Bolonha…).
Conhecia pouco ou nada sobre ela além do seu curículo académico e agradou-me o alargamento dos meus horizontes literários quando percebi que o seu doutoramento era na área da Filosofia da História, da Cultura e da Religião (Un. de Lisboa, 2005). Tem bibliografia variada no domínio da cultura chinesa mas a janela por onde gostaria de vos fazer espreitar hoje tem o título de VISITAÇÕES, uma capa com um cuidado gráfico e estético de excelência (de Daniel Gonçalves, e paginação de Marta Toscano, nas ed. Labirinto, 2022).
Sobre esse objeto físico de 179 páginas poderia falar com a argúcia da professora de Literatura Portuguesa de ensino superior e chamar a atenção para o grafismo exemplar; a utilização das línguas portuguesa, chinesa e inglesa; a brevidade dos poemas; as temáticas do quotidiano desfiadas entre gritantes opostos e dolorosas contradições ou as magníficas imagens plásticas de metáforas que escorrem dum pincel verbal – mas vou também abdicar do meu avental e sentar-me com delícia no ofício de ler com prazer e deixar cada leitor iniciar-se no mistério à sua maneira, íntima e pessoal. A arquitetura do livro sustem-se em 7 partes – Poemas da sensibilidade reservada | Divindades Chinesas | Seres divinos do Oriente e do Ocidente | Festividades | Templos, Seres Sagrados e Monstros | Tributos e Filosofias | Adivinhação – e constitui uma entrada luminosa a quem quiser entrar na/pela porta da cultura chinesa, se aceitar o desafio de não recear o outro ou talvez repousar no inverso das nossas pressas…
Atrevo-me a pedir que se inebriem com início das “Palavras Mágicas” (p. 9) – As palavras acompanham-me, / Com elas quebro a maldição /De um silêncio pesado e antigo. – até ao fulgurante final de “Depois e Antes do complemento” (p. 170) – que termina com: Tudo muda e se encaminha / Para um futuro de esperança, | Que afasta a embriaguez, | Mantendo a mente com lucidez. (p. 172). Limito-me a assinalar os poemas que mais prazer me proporcionaram: Flores de Primavera (p. 15); O Dia Mundial da Neta Minês, em 2021 (p. 27); A Bodhisatva dos Mil Abraços (p. 39); O Culto dos Antepassados (p. 73); O Dragão (p. 93); A Borboleta (p. 100); Panteísmo (p. 110); Estória di Macau: Poema tricolor (p. 114); O Outro (p. 121); Conflito e Escurecimento da Luz (p. 135); Os Opostos (p. 152). Cada leitor encontrará as suas portas para novos mundos… no reflexo encantatório do que nos proporciona a escritora-investigadora-filósofa-poetisa-leitora do mundo e da vida oriental & ocidental.
Por mim, e deslumbrada como fiquei, espreito atrás de uma das portas pela oitava parte do ‘grande poema’ do universo que – em simples toques e cruzamentos de trajetos desalinhados – nos faz ver sem olhos e olhar para ver mais além do visível: no passado da tradição; no presente das dúvidas e inquietações; no futuro da esperança possível e do apaziguamento das violências com a paz… A paz de todos os elementos que as portas abrem e não fecham…