Opinião

Letras | Jornal de Letras – edição especial

31 mai 2024 08:00

Nada a ver com “onde estava no 25 de Abril”, nem “como viveu aquele dia”. Trata-se de um repositório de perspetivas, de análises, de olhares alguns bem belos e de grande natureza poética sobre a nossa Revolução maior

Dada a bem merecida celebração e podendo até estar já a maçar os meus hipotéticos leitores, tenho-me atido este ano à temática literária em torno da nossa Revolução. Mas, atendendo à constante produção, não há como parar.

Boas leituras vamos encontrá-las nos bons romances, nas memórias cuidadas, no vaticínio dos poemas, mas desta vez, a admiração – a minha, pelo menos, e que aqui trago – vai para a “edição especial sobre a revolução que nos deu a liberdade” do Jornal de Letras de 17/30 de abril.

Nada a ver com “onde estava no 25 de Abril”, nem “como viveu aquele dia”. Trata-se de um repositório de perspetivas, de análises, de olhares alguns bem belos e de grande natureza poética sobre a nossa Revolução maior.

Retoma, quase a abrir, o artigo “A Revolução revisitada” que Eduardo Lourenço escreveu pelos 40 anos da mesma como resposta àqueles “pelo menos alguns”, cuja memória “a transfigurou e mudou a ponto de torná-la irreconhecível” e “por isso convém, e é urgente, volver sobre esse momento de rutura que instaurou entre nós a democracia e abriu um campo de possibilidades (…) do qual todos somos devedores.”

O poeta Gastão Cruz, desaparecido em 2022, relembra a opressão da ditadura vivida pela sua geração, afirmando drasticamente: “A Direita, mais ou menos extrema, é estúpida e cruel. Ela está sempre pronta para gritar “morte à inteligência” e para esmagar os fracos, impondo a força bruta e alarve, destruindo o direito e os direitos. (…) A poesia portuguesa soube sempre [e refere Manuel da Fonseca e Carlos de Oliveira] sem ser panfletária ou abdicar do rigor artístico, assumir uma atitude de recusa e de combate.”

Maria Teresa Horta recorda “uma imensa festa, numa rutilante aventura feita de liberdade (…) a partir daquela primeira noite em que começou a ser-nos cortada a atadura do medo e pudemos pensar em reaprender a vida…”

Num belíssimo registo poético, o escritor Mário de Carvalho relembra como lhe “chegou a notícia do 25 de Abril numa manhã gelada duma cidade sueca” e como notou, quando regressou, “um comportamento inabitual nos meus conterrâneos (…) havia uma especial gentileza nos ares. (…) As pessoas sorriam muito. (…) Um clima fraterno, adequado a uma cidade mágica, de filme musical (…) como um lastro benigno a assinalar que um mundo melhor não é impossível.”

Lídia Jorge a “lembrar o momento perfeito”. “Três histórias reais e uma conclusão moral” em que Hélia Jorge, no seu estilo contraditório, retrata o “volte-face dos papéis”, os subsequentes desatinos dos “terroristas da direita” e da extrema-esquerda. O Abril de José Luís Peixoto nascido 132 dias depois daquele dia; e outros…

Para mim, porém, melhor de todas é a rememoração de João de Melo que, num extraordinário monólogo interior e numa linguagem contida, de tímido medo que mede forças com uma força hercúlea, nos narra mi-nu-ci-o-sa-men-te a épica viagem de Santarém ao Carmo do Capitão Salgueiro Maia.

Nem que seja por este relato tão lusíada vale a pena comprar este Jornal de Letras.