Opinião

Letras | LÁGRIMA, (a triste odisseia de um homem feliz), de André Pereira 

9 jul 2021 20:00

Escritor, poeta, palhaço, actor, comediante de stand-up, enfim um artista eclético, originário de Marrazes-Leiria, apresenta-nos aqui em segunda edição este “Lágrima”

Poder-se-ia dizer que de certa forma esta obra é autobiográfica porquanto nele se encontra o autor em diversas personagens, numa certa bipolaridade e ansiedade que diz fazer parte do seu dia-a-dia. Mas vai mais além. Busca nos medos, na extrapolação dos mesmos uma certa catarse. A escrita como a tantos escritores e poetas tenta ir resolvendo todas limitações, patologias e incompreensões que como seres humanos encontram neste mundo.  

Em “Lágrima” estende o medo à vertigem da perda de um filho, talvez das dores maiores que um ser pode experimentar ou não fosse sobreviver aos filhos um dos sentimentos mais devastadores da existência humana que vê na vida dos descendentes uma ordem natural das coisas. 

Afonso o pai, Clara a mãe e Tomás o filho são as figuras centrais desta estória. Vivem numa aldeia com personagens que trazem uma certa universalidade à narrativa e que suportam a tradição e a fé como pilares duma sociedade. 

Tomás nasceu já condenado, padecendo duma doença e amarrado desde cedo a uma cadeira de rodas, é uma vida frágil que depende por inteiro da mãe, pessoa carinhosa e generosa.

O pai, trabalha a enterrar os mortos, bebe muito e é um pouco alheado da vida doméstica, ainda que ame da sua maneira a sua família. 

A morte prematura do infante trará mudanças profundas no seio desta família e reacções também elas antagónicas e mesmo consideradas insanas.

A mãe, como quase todas as mães, desabou em pranto (dar à vida para dar de seguida à morte é dilacerante) e um pai que enterra pessoas, filhos de outros, ter de enterrar o seu deveria ser motivo da maior dor. Mas não! Riu-se. Riu até mais não. Até desaparecer. 

Clara encontra Deus e o filho num momento de quase morte. Afonso tentando suicidar-se em quase morte encontra o riso numa companhia de circo que o salva. As contradições que dão de caras com a natureza de cada um farão a viagem de quem é o Eu perante circunstâncias adversas e de como seres humanos, nós lidamos com a vida e muitas vezes com a ideia de morte, nossa e dos que amamos. 

No fim do livro, encontramos uma premissa platónica que é transversal a esta estória “não se pode comparar dois seres infelizes e afirmar que um é mais feliz do que o outro”.