Opinião

Letras | O romance de Yolanda (2005), de Rodrigo Leal de Carvalho OU a perceção do outro

2 abr 2022 20:00

São visíveis os rastos de personagens tipificadas em outros livros de Leal de Carvalho, como uma unidade reveladora de como o mundo macaense se encontra ocidentalizado, no pior sentido da palavra

Rodrigo Leal de Carvalho (n. 1932, Ilha Terceira, Açores), magistrado, residiu – com algumas intermitências por vários países da África lusófona – em Macau desde a década de 50 até finais de 1999. Neste Território foi procurador da República, posteriormente com a designação de procurador-geral adjunto. Em 1995 foi nomeado juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça. E esteve em comissão de serviço como presidente do Tribunal de Contas de Macau desde 1996.

Como romancista, a sua estreia deu-se em 1993, com Requiem por Irina Ostrakoff (distinguido com o prémio IPOR 1994 e traduzido para chinês em 1999 e para búlgaro em 2002). Seguiram-se, todos com a chancela de ‘Livros do Oriente’: Os Construtores do Império (1994); A IV Cruzada (1996); Ao Serviço de Sua Majestade (1996); O Senhor Conde e as suas Três Mulheres (1999); A Mãe (2000); As Rosas Brancas do Surrey (2005).

A confusão entre autor empírico e autor-narrador é por demais evidente em muitos episódios textuais, ficando assim salvaguardado o topus real/ficção; a problemática sobre a categoria em que deveremos incluir a sua produção literária (literatura de Macau? Literatura lusófona? Literatura portuguesa?...); a perceção do olhar literário do Ocidente sobre a cultura do Oriente, com a consequente revelação do que de “nós” deixámos ou inculcámos no “outro”.

Centrar-me-ei apenas n’ O romance de Yolanda (2005), onde são visíveis os rastos de personagens tipificadas em outros livros de Leal de Carvalho, mas que pode ser lido como uma unidade reveladora para o leitor – mais ou menos desconhecedor – de como o mundo macaense se encontra ocidentalizado, no pior sentido da palavra, isto é, a caminho da perda total de valores morais ancestrais. Isto, se excluirmos que o “desejo de enriquecer” se encontra sobretudo do lado dos valores orientais (o que não é consensual…) e que acaba por ser ele o principal motor desta intriga.

Yolanda Bañares dos Santos (de parentela insigne, mas apenas representante da média burguesia da classe de funcionários macaenses, pouco abastados), rapariga desinibida de Macau, engravida, contrai casamento e constitui família com Licínio Chiu Pedrosa, filho de um agente da PSP (que nunca ascendera a subchefe) e de uma “china”. O casamento cedo se revelou votado ao insucesso, com cenas de violência dos dois lados do casal, que mostram ao leitor o falso quadro de valores sociais em que a sociedade macaense oscilava, em constante desequilíbrio – que se podia fingir não ver, mas que circulava sempre através de rumores.

Depois de algumas ligações amorosas falhadas, Yolanda apaixona-se por um filipino, supostamente milionário, Ramon Macapagal Gonzalez, perseguido pela polícia de Ferdinand Marcos. Assim, Yolanda vê-se apanhada nas malhas de uma operação clandestina do submundo de Macau, ao aceitar celebrar um casamento fictício com o filipino, para lhe conseguir a nacionalidade e o passaporte português e salvá-lo dessa perseguição. Porém, o imprevisto e o desejo dão lugar a um amor exigente e inoportuno, que vai acabar por ter para Yolanda as consequências opostas às ambicionadas…

Qualquer uma das três personagens principais – Yolanda; Licínio; Ramon – revelam muito de si mesmas e do outro e de como a passagem do “eu” ao “outro” se pode fazer por valores materiais ou sentimentais (ainda quando se pensa que estes já foram obliterados ou nem existiam). Sem dúvida, é Yolanda a personagem que mais nos revela neste percurso de transformação.