Opinião

Letras | Padre José Tolentino Mendonça

13 set 2024 09:35

A beleza e simplicidade dos haikus, desvelam-no na condição de homem, e se não soubéssemos que seria um sacerdote a escrever, acreditaríamos ser um supremo amante da condição humana e do próximo, sem reservas

Poeta, sacerdote e professor, José Tolentino Mendonça nasceu na ilha da Madeira em 1965. Estudou Ciências Bíblicas em Roma. Em 2019, foi nomeado Cardeal pelo Papa Francisco. A sua poesia é publicada pela Assírio & Alvim e a obra ensaística, desde 2017, pela Quetzal. Foi-lhe atribuído o Prémio Pessoa em 2023.

Tolentino é um autor que me tem suscitado curiosidade. A abertura da Igreja para a sociedade como instituição feita de homens, e por isso, humanos e imperfeitos, torna em minha humilde opinião, esta sua abordagem à escrita, uma liberdade espiritual do sacerdote em busca da sua humanidade inserido nas comunidades. Escrever sobre temas que muitas vezes teríamos como profanos / distantes à igreja (sexo, relações, etc.) faz com que permaneça então, o que é no corpo do homem, o exercício da bondade e a assunção do amor para além da carne.

Em 2013, publica este A Papoila e o Monge. Obra que surgiu numa sequência fortuita de circunstâncias existenciais, uma delas sendo a conversa interminável sobre Kerouac. Esse episódio fortuito deu origem ao mergulho dele nos seus escritos, culminando no Book of Haikus. Neste livro de haikus, estarão em primeiro lugar, a amizade e o envolvimento com a arte (de dimensão existencial), duas componentes indestrinçáveis da experiência humana no universo deste autor. Também uma viagem ao Japão por convite do Centro Nacional de Cultura (durante a qual só conseguiu “estar”, não escrevendo uma linha sequer), se deve igualmente a uma experiência de leitura e da vivência cultural.

A beleza e simplicidade dos haikus, desvelam-no na condição de homem, e se não soubéssemos que seria um sacerdote a escrever, acreditaríamos ser um supremo amante da condição humana e do próximo, sem reservas.

Mesmo que faça frio

não aproximes do fogo

um coração de neve

O que buscamos

Uns nos outros

É sempre a noite.