Opinião
Letras | Revolução de Hugo Gonçalves
Fácil está de ver que o ficcional se enreda com o romântico que nos arrebata pela explosão das paixões e dos sentimentos que unem e/ou afastam as personagens e pela amorável descrição de todos os locais da Serra, da Praia e da Vila. A leitura flui e atrai
O Jornal de Letras de fevereiro deu-lhe grande destaque o que, para além do título, me atraiu de imediato. No meu escasso conhecimento dos jovens escritores, Hugo Gonçalves era nome que eu desconhecia de todo. E já com dois romances editados e bem apreciados. E com aquele currículo editorial que também abrange o guião da estonteante e netflixiante série Rabo de Peixe… (E nascido em Sintra, minha terra do coração!) É que Sintra exerce uma atração encantatória sobre quem lá vive e, não por acaso, o autor ali fixa o local de onde toda a narração e ação se desenvolvem, como as raízes da família em torno da qual roda todo o relato de Revolução – os seus antecedentes e decorrências – num jeito narrativo entre o histórico, o ficcional e o romântico.
O histórico tem, naturalmente, a ver com o que neste país se viveu em três momentos sequenciais mas tão díspares: primeiro, no caldo ditatorial do Estado Novo, como as pessoas se organizavam e sofriam – meu-deus, como sofriam! e que bem descritas estão essas formas de sofrimento! – na sua luta desigual contra esse regime tão repressivo, tão desumano! Depois, a exuberância e a enorme impreparação de um povo iletrado e oprimido para a vivência de um choque tão brutal como foi o de adormecer na mais abominável e tormentosa ditadura e acordar aos gritos de Democracia! Liberdade! E, por fim, a desorientação de uma população pouco politizada desde as elites e das altas patentes até ao mais humilde pastor ou cavador, não habituada a tomar decisões e que teve de fazer face à cessação de uma guerra desastrada e ao desfazer de um “império”, às fugas dos ricos e à falta de recursos e à fúria dos saudosos dos privilégios que perderam. Aqueles dois anos insanos a que chamaram PREC, com realce para os dislates dos extremos de direita (o ELP) e de esquerda (as FP25). Está tudo lá, no livro.
O interessante é ver como o autor nos transmite toda esta realidade que, de facto, nos sucedeu, sem ser numa cronologia densa e fastidiosa. E aí entra o ficcional: ele cria uma família – os Storm – em torno de Antónia: a filha (do serralheiro comunista perseguido pela PIDE); a mãe (solteira de Maria Luísa, a radical insatisfeita, e já casada com o patrão Storm, mãe de Pureza, a frágil e obediente, e de Frederico, o ocioso, o deslumbrado, o influenciável); a incansável mulher de trabalho que suporta a família e o negócio. Situa-se este no Hotel Storm – a fazer lembrar o Lawrence’s onde Lord Byron se hospedou – aonde as personagens sempre regressam nos momentos críticos das suas vidas.
Fácil está de ver que o ficcional se enreda com o romântico que nos arrebata pela explosão das paixões e dos sentimentos que unem e/ou afastam as personagens e pela amorável descrição de todos os locais da Serra, da Praia e da Vila. A leitura flui e atrai. De enaltecer o trabalho de pesquisa de quem nasceu depois da Revolução.