Opinião
Letras | Um Quarto Só Seu
Tanto temos para aprender! Leiam, leiam, jovens feministas! Que a coisa não se resolve com a falácia do: “Boa tarde a todos e a todas!”
Quantas feministas desta dita quarta vaga (seja isso o que for) terão lido este livrinho Um Quarto Só Seu da escritora, ensaísta, crítica literária feminina, grande defensora dos direitos das mulheres Virginia Woolf (1882-1941)? Deviam. Pela elegância do estilo, da linguagem, pelo uso da ironia, pelo conhecimento e sabedoria que encerra, pela força aparentemente branda que põe na defesa de uma vivência feminina paralela às dos homens, atendendo às devidas diferenças.
Há, pelas minhas estantes, livros desta escritora e até já aqui escrevi sobre o seu desafiante romance Orlando e sobre o seu prodigioso romance lírico As Ondas, mas nunca me tinha vindo parado às mãos este pequeno/ grande ensaio Um Quarto Só Seu sobre “a relação das mulheres com a escrita, a sociedade e o processo de criação literária” (A. Luísa Amaral, prólogo da edição da Penguin, 2021).
Escrito em 1929, a partir de umas conferências proferidas nas faculdades femininas de Oxford e Cambridge (Oxbridge), começa por apresentar a sua tese que tece e desenvolve ao longo dos seis capítulos do livro, bem como nos ensaios As Mulheres e a Ficção e Profissões para Mulheres, de que “uma mulher tem de ter dinheiro e um quarto só seu para escrever ficção”.
Numa narrativa muito bem construída e rica em imagens poéticas, a narradora conta que dois dias antes chegou a Oxbridge onde lhe foi proibido passear pelo relvado (só os fellows e os académicos tinham autorização) e onde lhe foi negada a entrada na Biblioteca por ser mulher. De igual modo, constata como o jantar e as condições de alojamento nas faculdades femininas eram muito inferiores às das masculinas. Face a estas discrepâncias, inúmeras questões são postas à narradora para as quais vai procurar respostas nos livros do British Museum. Corre prateleiras e prateleiras de onde tira livros sobre a vida das mulheres desde a Idade Média – todos escritos por homens. Imagina que Shakespeare tem uma irmã, Judith, igualmente dotada, mas que, na sua condição de mulher, não consegue quem lhe aceite os escritos e acaba por se suicidar. Refere detalhadamente os raros casos das romancistas Jane Austen, as irmãs Brontë, George Eliot (que usou um pseudónimo masculino) que se limitaram a escrever romances porque a mulher escritora de classe média do século XIX, circunscrita ao seu espaço familiar, sem sequer ter um quarto só seu, limitava-se à observação das pessoas e à análise das suas emoções.
Quando chega à atualidade (1929), a mulher, sendo poucas a possuírem diplomas universitários, já ganhou o direito a votar e acesso a profissões interditas antes da Grande Guerra – liberdade e dinheiro – embora ainda não alcancem as grandes profissões do Exército, da política, da economia, da diplomacia… Extraordinário o avanço civilizacional de mulheres escolarizadas e cultas que, já em 1929, detinham determinados direitos como o de voto, realidades que para nós, portuguesas, só depois de 74.
Tanto temos para aprender! Leiam, leiam, jovens feministas! Que a coisa não se resolve com a falácia do: “Boa tarde a todos e a todas!”