Editorial

Mais vale tarde...

16 fev 2023 10:30

Há que dar o benefício da dúvida e esperar pela proposta a apresentar pelo grupo de trabalho agora constituído para valorização de todo o Vale do Lapedo

Há cerca de dois anos, alertámos neste espaço que o Vale do Lapedo, onde em 1998 foi descoberta a primeira sepultura do Paleolítico Superior da Península Ibérica, merecia ser mais bem tratado e explorado, dos pontos de vista cultural e turístico, dado o seu potencial a nível nacional e internacional.

Como se sabe, além de ali ter sido encontrado um esqueleto bem preservado de uma criança pré-histórica, o local possui um manancial arqueológico, classificado pelos especialistas como “tesouro nacional” e “tesouro da Humanidade”, pois permite estudar os comportamentos ancestrais de diversas gerações de caçadores-recolectores paleolíticos.

Esta semana, foi finalmente anunciada a assinatura de um protocolo entre o Município de Leiria e a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), que prevê a criação de um programa de interpretação e comunicação para aquele espaço, transformando-o num “destino de conhecimento da pré-história, das importantes descobertas arqueológicas e vestígios materiais e, também, de fruição pública do lugar e do património natural envolvente”.

Curiosamente, ou talvez não, no mesmo dia em que o acordo foi anunciado, a arqueóloga que, nos últimos anos, tem sido co-responsável pelas escavações no Abrigo do Lagar Velho, tecia fortes críticas ao protocolo, num artigo publicado no jornal Público. Para Ana Cristina Araújo, que diz não ter sido ouvida por quem elaborou o documento, esta proposta constitui “uma fraude, uma hipocrisia, uma farsa impossível de ocultar”. A investigadora, de resto, e apesar de fazer parte dos quadros técnicos da DGPC, tem acusado a instituição de “inoperância e desleixo” na preservação e valorização do sítio do Lapedo.

Na verdade, até agora, e 25 anos após a importante descoberta, o aproveitamento do achado resumiu-se praticamente à criação no local de um Centro de Interpretação, em forma de contentor, à construção de um parque de merendas, e constituição de um núcleo a explicar a história do achado, no Museu de Leiria. No mesmo período de tempo, o sítio arqueológico foi vandalizado e a pala que servia de tecto ao sector mais rico, em termos científicos e patrimoniais, colapsou.

Mas, como mais vale tarde do que nunca, há que dar o benefício da dúvida e esperar pela proposta a apresentar pelo grupo de trabalho agora constituído para valorização de todo o Vale do Lapedo.