Opinião

Marketeer a dias | Uniqueness precisa-se!

21 fev 2023 11:01

Já não é o produto que reivindica a si uma personalidade, nem manifesta valores. Estes transitaram do objeto para o sujeito. E o sujeito… somos todos nós!

No outro dia parei nas bombas de combustível para atestar, e não sei se foi o depósito ou a minha moral que saíram mais atestadas. Na fila para pagar, a senhora à minha frente vestia uma sweatshirt que me dizia: “As grandes lutas são dadas a grandes guerreiras.” Sim, eu sei que a frase era tão dedicada a mim quanto a qualquer um que se colocasse a jeito. Ou se calhar era só uma informação que a senhora queria dar ao mundo atrás dela. Mas ao final de uma semana árdua de trabalho, isto bate! Só não sei é se bate certo!

(Re)Aberta a porta das frases feitas na minha vida, dei por mim a olhar o mundo como quem encontra literatura no mais vulgar dos objetos. Elásticos da roupa desportiva, boxers de senhor, alsas de mala de senhora, t-shirts, hoodies, forros de casaco, ou frases tatuadas na pele. Como se os vazios da vida pudessem agora ser preenchidos de significado por meio de tinta, estampas, fios de nylon, roupas que usamos.

E nisto volto a mim, marketeer, a pensar na Evolução do Marketing. Numa primeira fase, o foco era a produção: era necessário a indústria produzir mais para suplantar as necessidades crescentes das pessoas e dos mercados. Numa segunda, era vital encontrar mercados e novas formas de utilizar os produtos, para escoar o excedente das indústrias e das economias de escala emergentes. Numa terceira, o marketing evoluía para um estado intermédio de consciência, em que o produto produzido deveria ser adequado ao mercado, tornando-se assim competitivo e relevante para o público-alvo. Numa quarta fase, o produto ganhou estatuto de “persona”: com identidade, atitudes, valores e experiências “de vida”, com os quais o consumidor se identificaria. Como se de um amigo se tratasse. E por fim, o estágio em que nos encontramos: já não é o produto que reivindica a si uma personalidade, nem manifesta valores. Estes transitaram do objeto para o sujeito. E o sujeito… somos todos nós!

Neste processo migratório - ou deveria empregar o termo “êxodo”? - parece evidente que a “afirmação do eu” decresce à medida que o eu deixa de ter o que afirmar, per si.

Encontrar quem se dê ao trabalho de encontrar o seu significado único e existencial, quem tenha para dar algo que só ele mesmo poderá dar para se nutrir, a si e ao mundo, é cada vez mais raro. Até porque tal envolve um diálogo profundo com o nosso “eu”, nem sempre fácil de digerir, ainda que tenhamos enzimas e sucos gástricos. Talvez porque dá trabalho. Ou porque a introspeção e abstração não trazem benefícios no imediato. Ou talvez por nos encontrarmos cada vez mais enredados com as exigências do dia a dia, impactados com as notícias do mundo exterior, infetados pela insatisfação, enfraquecidos por sentimentos de impotência…

O que parece certo é que a má nutrição do eu conduz a um sistema imunitário cada vez menos capaz de proteger o nosso ser em potência: a nossa uniqueness. (No marketing, “uniqueness” é o atributo que torna algo de valor percebido como insubstituível.) Incapazes de descobrir o que nos torna únicos e insubstituíveis na nossa missão terrestre, facilmente embarcamos na onda do “me too” (o do marketing, não o de outras causas). O mesmo é dizer “eu também” ou “seguidismo”. E se nos mercados afirmarmo-nos como um produto “me too” é o mesmo que dizermos que somos “mais um” (vulneráveis a tudo quanto são variáveis externas e fatores como preço e promoções), em sociedade, afirmarmo-nos como uma pessoa “me too” tem exatamente o mesmo significado. Estamos reduzidos a ser “mais um” e a sermos tratados como números.

“All you need is love”. “Love me or leave me”. “Don’t worry - be happy” . “Don’t mess with my ass”. “Breathe in - breathe out”. “Fight for your right” . “Blessed”. “Girl Power”. “It’s a beatiful day”. “Smile”. “Imagine”. “Deus no comando”…Há um sem fim de frases feitas que servem para todos, e não servem bem ninguém. Uniqueness. Precisa-se.