Opinião
Menos resiliência, mais resistência
É preciso responder aos discursos da competitividade individual com a linguagem das lutas coletivas
Circula há muito um meme em que se lê “não odeias as segundas-feiras, odeias o capitalismo” e é das minhas caricaturas favoritas, porque propõe um ângulo inesperado e ilustra como o pessoal é político.
Se é evidente que teremos sempre que fazer pela vida, como o fazemos resulta de escolhas. O valor que atribuímos ao cuidado e à dignidade humana também.
Não há nada de natural em sair para trabalhar todas as segundas-feiras, indexar o valor da pessoa à produtividade, deixar os mercados decidir sobre a vida ou promover a competição individual.
Tem-se ouvido falar mais de saúde mental. Sabemos que o número de síndromes de burnout e depressões tem vindo a disparar. A pandemia agravou problemas anteriores.
Juntamente com os diagnósticos, ganham visibilidade instrumentos, assentes em velhos ou novos conhecimentos, prontos a colocar ao serviço da resiliência, que o neoliberalismo tanto estima. Resiliente é o que torce, mas não quebra; aguenta a dor e não questiona.
Yoga, meditação, terapia, exercício, entre outras estratégias, permitem uma melhor gestão dos desafios que enfrentamos. Mas se não politizarmos a saúde mental, esvaziamos o potencial transformador dos instrumentos. Ganhamos resiliência para suportar a violência e falhamos na promoção da resistência, que transforma as sociedades para melhor.
Resistir implica identificar causas estruturais e formular hipóteses sobre a origem da exaustão coletiva. É preciso questionar os conceitos, alegadamente neutros, que, de forma dissimulada, impõem limites ao debate.
A direita despreza as reflexões sobre a linguagem, mas não perde uma oportunidade para adoçar os discursos a seu favor, assegurando que os nossos mapas mentais não extrapolam o horizonte neoliberal.
O conceito de empreendedorismo está em todos os discursos, alimentando subjetividades individualistas. A técnica de colocar o oprimido em competição, hierarquizá-lo, dividi-lo, sujeitá-lo aos critérios de avaliação do opressor e mantê-lo dependente da sua validação é tão velha quanto a dominação.
Discutir a linguagem importa. E não é só quando discutimos racismo ou sexismo. É preciso responder aos discursos da competitividade individual com a linguagem das lutas coletivas.
Sair do quintal da resiliência e optar pelo horizonte da resistência é falar mais de direitos laborais e interesses coletivos e menos de empreendedorismo. É discutir cuidado, dignidade, solidariedade e não apenas produtividade, competência e mérito.
Só um discurso muito enviesado ideologicamente pode classificar de iludidos os que não veem futuro neste capitalismo, mas sustentar-se no risível mito da meritocracia individual.
Mas se já ninguém acredita que existem oportunidades para todos/as, ainda é difícil fintar a culpa quando falhamos perante os critérios da produtividade. E isso é uma arma mental poderosíssima. É mais fácil não acreditar no sistema, do que não acreditar no que ele nos diz que valemos.
Precisamos de aprender a resistir aos critérios de classificação e não apenas a ser resilientes perante a violência das hierarquias. Faz-nos falta a linguagem da lutas de classes.
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990