Opinião
Mudanças
Temos à nossa volta mais design do que pensamos
Agarrei na última caixa, que tinha coisas da outra casa.
Nesse apartamento cabia mais do que precisava e só havia lugar para o necessário.
O espaço esticou, dando lugar a uma necessidade diferente.
Sem entender como, aquilo que antes estava ordenado entrou em caos nas caixas de mudanças e voltou a reaparecer, pouco a pouco, no processo de desembalar, desempacotar e desencaixotar.
Seguindo uma lógica graduada que vai de indispensável a descartável, as coisas foram ocupando a nova casa.
Noutro apartamento onde os lugares estavam à partida predestinados foi no desenrolar dos pequenos gestos de arrumação e arranjo que estas coisas ganharam vida.
Tornaram-se parte de uma nova existência.
Para quem gosta de objectos, inamovíveis e inacessíveis por contacto humano, isto era evidente.
Está nas entrelinhas da disposição espacial a relação casuística das coisas.
São os significados que lhes atribuímos que completam o entendimento visual do que nos rodeia.
Dando-se o caso de ser comum na minha prática profissional este tipo de alterações e esta nova mudança de casa tomou a dimensão de um conjunto de acções, quase mecânicas e metodológicas, sentidas de uma humanística vontade de construir uma realidade habitável através de coisas.
Equipamentos como móveis, sofás, camas, e mesas.
Objectos decorativos como bibelots, recordações e peças de autor. Roupa, quadros, livros, etc.
Construímos os nossos habitats domésticos a partir destas coisas.
Tomam a forma cristalizada de memórias, momentos que de alguma forma associamos a esta ou aquela situação.
Se fugirmos do sentido pedante do “bom gosto” conseguimos atribuir um sentido próprio e genuíno ao sítio que habitamos através de coisas.
Assim é o design de produto, enquanto construtor destes universos, responsável pelo que Baudrillard diria ser o “sistema de objectos”.
Temos à nossa volta mais design do que pensamos.