Opinião

Música com M de Mapas 

3 jul 2020 20:00

As adversidades que parecem intransponíveis acabam muitas vezes por espoletar ideias e soluções tão inovadoras quanto surpreendentes

O caminho entre a concepção e a concretização é, muitas vezes, sinuoso e, nem sempre, nos deixa completamente realizados.  
Acabou de arrancar o Mapas, uma ideia que vivia há anos a marinar como quem espera melhores tempos e melhores dias para sair da cabeça para o papel e do papel para a rua, mas acaba por ser num momento de pandemia que o Gui Garrido e a sua equipa, em função do cancelamento do Festival A Porta, põem as cartas na mesa e vão a jogo. 

Sem querer ser mais do que aquilo que ele é, um espaço de exploração e de partilha da cultura numa relação comunitária, atrevo-me a dizer que podemos estar perante um dos projectos culturais mais bem sustentados que me lembro de ter conhecido. 

O facto de transformar uma carrinha num “centro cultural ambulante” regressa às origens que muitas vezes nos lembram a carrinha biblioteca da Gulbenkian ou o projeccionista itinerante e, num período onde a cultura salta para a rua e adopta práticas itinerantes (como o projecto do Leirena Estado de Excepção, os concertos rolantes e os drive-ins), faz sentido cada vez envolver mais a comunidade na construção cultural.
 
O facto de, a nível musical, o Mapas apresentar algumas propostas colaborativas e preparadas especialmente para o efeito (como os concertos que juntam em palco Surma e Cabrita, Inês Bernardo e Nuno Rancho ou Fado Bicha e Labaq ) é revelador do princípio ao que vem: A cultura é o cimento da nossa construção comunitária. 

Conseguir, de uma forma segura, continuar a partilhar estes valores com um festival multidisplinar requer, por si só, algum engenho, mas querer mais e ter actividades, além dos concertos, que exploram os locais, as suas comunidades, os seus desejos e sonhos é a razão que me deixa completamente rendido. 

Acompanhando o trabalho de toda a vasta equipa que coloca o Mapas de pé, entende-se que o que os move é o sonho e quando começarmos a ler as cartas, a ver os documentários, a ouvir as conversas, a explorar as instalações vamos ter a certeza que este é um projecto que, apesar de vir ocupar um lugar deixado temporariamente vago pela impossibilidade de realização do Festival A Porta, não é nem pode ser um substituto.

É muito mais do que isso e, aconteça o que acontecer, daqui a uma semana e meia todos teremos a certeza que se fez algo que parece tão pequeno e que se vai agigantar pelas pessoas e pelo território que o vão viver e sentir.

Aposto que daqui a uns anos, quando se falar em projectos de intervenção comunitária com práticas artísticas exemplares, vão falar do Mapas, que está agora a arrancar.

Ele passa no vosso bairro ou num bem perto, mas dá-vos mundo, pessoas e sonhos. Além de música, mas sempre com ela.