Opinião

Música | ありがとう

19 fev 2023 15:02

Sakamoto oferece-nos 12, uma espécie de diário musical gravado ao longo do último ano em que entrou na pior (e provavelmente derradeira) fase da sua doença

Não é fácil encontrar na música contemporânea um nome tão inovador, tão transversal e também tão unânime como Ryuichi Sakamoto e talvez seja por isso que nos pareça difícil ouvir o seu último 12 sem sentir o assombramento da inesperada mas inevitável finitude. Precisaríamos de várias crónicas apenas para abordar ao de leve a sua magnífica carreira cheia de exploração e cruzamento de tantas músicas e de tantas cumplicidades e colaborações.

Talvez não seja nenhum exagero dizer que estamos perante o músico oriental que mais inspirou, em diversos géneros, o actual universo musical ocidental. Mas também sabemos que, desde 2014, Sakamoto se depara com um cancro que começou por o impedir de dar concertos e o foi condicionando cada vez mais, nunca o deixando, no entanto, sem vontade de compor e de gravar e de continuar o seu caminho de sempre, o de explorar ambientes sonoros.

Cinco anos depois do memorável Async, Sakamoto oferece-nos 12, uma espécie de diário musical gravado ao longo do último ano em que entrou na pior (e provavelmente derradeira) fase da sua doença.

Quem o segue advinha que se possa tratar, muito provavelmente, do último disco lançado em vida. Sem conseguir tocar mais do que alguns minutos de cada vez, sem evitar a audível respiração, deixando toda a sua aura e toda a sua alma na ponta dos dedos.

Ao pegar no disco e acompanhando a evolução do seu estado de saúde, lembrei-me imediatamente de novos rumos nestes momentos como Blackstar de David Bowie mas, depois de uma vida a explorar, 12 parece querer chamar-nos à sua casa, à sua sala, onde a sua determinação e o seu amor pela música ultrapassa qualquer debilidade física. 12 é a sua celebração perante o inevitável, composições que lhe dão paz e lhe dão vida. É urgente compor, é urgente gravar, é urgente viver. “Por esta exacta ordem”, parece ele querer segredar-nos, ao longo dos momentos de 12.

Sakamoto sabe que está perto do fim e não nos esconde nada. Celebra e partilha o que tem. E é tão urgente celebrarmos a sua música antes de lamentarmos a sua perda.