Opinião

Música | A cantiga é uma arma: 25 de abril sempre e fascismo nunca mais

1 mai 2024 11:26

Os alarmistas da “família tradicional” continuam hoje preconceituosos tal como ontem, não mudaram nadinha

Texto originalmente publicado na edição em papel 2076 do JORNAL DE LEIRIA, de 25 de Abril de 2024

1) O conhecimento dos outros sempre meteu medo aos do costume e deve ser isto a que os amedrontados chamam de “sovietização do ensino”. As palavras do músico José Afonso continuam atuais mesmo passados 44 anos. Há quem não goste e ainda bem. “Divulgou-se uma ideia viciada entre as pessoas que nos procuravam. A ideia de que nós não éramos pagos pelo nosso trabalho. Uma espécie de elogio da pobreza (…) as condições difíceis em que cantávamos (…) necessitávamos de nos defender (…) criar a estrutura de que estávamos carenciados, a qual, não sendo uma agência de espetáculos, atuasse como suporte ou garante de qualidade daquilo que nós produzíssemos, impedindo de cair na esparrela do “o que é preciso é aparecer”. – Zeca Afonso, Portugal Hoje, 11/01/1980.

2) Os alarmistas da “família tradicional” continuam hoje preconceituosos tal como ontem, não mudaram nadinha. Outro episódio que se mantém atual: em agosto de 1981 num programa da RTP, Porque Hoje É Sábado, o tópico da semana era o conflito de gerações sendo a banda Xutos & Pontapés a convidada para falar sobre o tema. A equipa do então canal único desloca-se à sala de ensaios do grupo, e quando lá chegaram, Zé Pedro e Kalú (baterista) disseram que a família era uma coisa extraordinária e o assunto principal morreu. “Estavam à espera que aparecêssemos naquela de matar os pais e assassinar os irmãos e as coisas saíram-lhes ao contrário”, referiu anos mais tarde o guitarrista Zé Pedro numa biografia da banda.

3) “Quando? Quando vos calais, generais?” A canção “Pátria Sábia” dos Peste & Sida, do álbum Veneno de 1987 era uma crítica ao serviço militar obrigatório que agora uns saudosistas exóticos querem impingir a outros. Miguel Ângelo, dos Delfins, declarou-se objetor de consciência nos anos 80 e a banda tem uma canção de protesto sobre o tema chamada “Bandeira”. Igualmente os GNR no disco Psicopátria, com a lírica de Rui Reininho sempre apurada, tem o tema “Ao Soldado Desconfiado”, um pedaço de poesia. Também os UHF gravaram uma música sobre o assunto: “Farto da lógica militar, farto da máxima marialva com que cresci que dizia que era na tropa que se faziam os homens, gravámos em 1990 a canção “Amélia Recruta”, disse o seu vocalista António Manuel Ribeiro numa biografia.

4) O patriotismo parolo e as indignações a metro onde uma representação gráfica nunca substitui a bandeira tem destas coisas. As ciências sociais fazem muita falta. Será que perante o magnífico poema de Jorge Sousa Braga que termina com “Portugal gostava de te beijar muito apaixonadamente na boca” também se vão levantar questões de ideologia de género? O obscurantismo é uma finta vossa. A cantiga é uma arma. 25 de Abril sempre e fascismo nunca mais.