Opinião

Música | A parábola dos 30 anos de “Common People” como exemplo de coerência

24 jun 2025 20:09

Perante a nulidade do “ministério da cultura” anterior, agora a pasta é diluída, desviada, destituída e despromovida, o que, se formos a ver, até está em linha com a atuação da anterior ministra. Mais um caso em que se muda alguma coisa para que tudo fique na mesma

Há uma canção chamada “Common People” dos Pulp (1995) que nunca chegou ao primeiro lugar do top. Ficou em segundo. Porém, passados trinta anos, já ninguém se lembra quem era o N.º1. Mas muitos lembram-se dos Pulp que carregam o peso de terem escrito um hino que marcou uma geração. Esta posição na tabela revela muito mais do que um ranking comercial: mostra que o verdadeiro impacto está na capacidade de atravessar linhagens, de dar voz onde as estatísticas falham, um lugar na memória coletiva e nas vozes desafinadas de quem se sentia representado por uma identidade. A frieza das tabelas do mercado musical não previu tal coisa. Uma canção composta num teclado manhoso fez mais por uma geração do que muitos think tanks regidos por métricas que visam o retorno imediato e que são cegas perante o admirável papel transformador das políticas culturais.

Ao desinvestir em criatividade para canalizar recursos em eldorados voláteis corre-se o risco de apostar apenas na máquina e esquecer a alma. As vantagens da inovação tecnológica (e das startups, por exemplo) são inquestionáveis, mas sem uma base cultural sólida a inovação ocorre num não-lugar casa/trabalho descontextualizada da realidade. Ou como disse muito melhor Lídia Jorge no 10 de junho: “Quando ficarem em causa os fundamentos institucionais, científicos, éticos, políticos – e os pilares de relação de inteligência homem/máquina entrarem num novo paradigma – que lugar ocuparemos nós como seres humanos?”. Uma visão meramente resultadista é como aquela canção dos tops mas que já ninguém se lembra.

Porque os mercados não regulam tudo, também não explicam por que razão uma música que não chegou ao topo continua relevante perante tanta gente. Não explicam por que razão uma peça de teatro pode mudar a perspetiva de alguém sobre a vida, ou por que um museu pode ser o único espaço onde certas crianças entram em contacto com a beleza e com a história. “I want to live with common people like you” é querer viver e reconhecer o que nos une, o que nos permite gritar juntos, mesmo fora de tom, mas sempre humanos. Perante a nulidade do “ministério da cultura” anterior, agora a pasta é diluída, desviada, destituída e despromovida, o que, se formos a ver, até está em linha com a atuação da anterior ministra. Mais um caso em que se muda alguma coisa para que tudo fique na mesma. E as autárquicas são já a seguir. Haja coragem com rasgo, consciência de que ela não é apenas uma linha orçamental, mas parte essencial do que nos torna comunidade. Porque já ninguém se lembra do tal N.º1 daquele top, mas muitos ainda se lembram dos Pulp. E numa linguagem para que até os tecnocratas percebam lá em casa, isto é um verdadeiro case study.