Opinião
Música | Betty Davis: a Davis o que é de Davis, e não é (d)o Miles
Nascida e criada numa zona rural da Carolina do Norte, é um dos vultos que realmente fizeram a diferença a partir da música
O nome de Betty Davis provavelmente não diz quase nada a ninguém mas não deixa de ser tão refrescante como inspirador.
Nascida e criada numa zona rural da Carolina do Norte, a inspiração negra da sua família e do blues levou-a a começar, desde muito cedo, a compor as suas próprias canções mas com a adolescência e a mudança para Pennsylvania, veio o anseio de tentar a sorte no universo da moda.
Aos dezasseis anos pegou nas malas e foi para Nova Iorque tentar ser modelo. Mas nunca deixou de olhar para a música como uma afirmação, talvez até como uma arma. Na verdade, quando começou a tocar e a compor regularmente, referiu que o trabalho de modelo era aborrecido porque não era preciso usar o cérebro e só duraria enquanto se mantivesse nova e bonita.
Pouco mais de meia dúzia de anos depois de chegar a Nova Iorque e de ser bastante reconhecida na comunidade artística mantinha uma relação com Hugh Masekela e gravava os primeiros temas para a Columbia e pouco depois era esposa e musa de um dos maiores músicos da história, Miles Davis. Mas Betty Davis, a modelo negra que pensava pela sua cabeça e que queria compor e cantar sem qualquer barreira ou fronteira, na música ou na temática versada era também descrita por Miles como “too young and wild” e a capacidade de sedução dela era tamanha que o casamento acabava passado uns anos com Miles a acusá-la de se envolver com Jimmy Hendrix.
Longe da vista, longe do coração, depois de anos a ser provavelmente ofuscada pela figura do marido, Betty muda-se para Londres onde a sua carreira de modelo floresce, assim como a vontade de compor e gravar. Regressa aos Estados Unidos e entre 1973 e 1975 lança um disco homónimo, seguido de They Say I’m Different e Nasty Gal e é impressionante a forma como surpreendeu homens e inspirou e ajudou a emancipar mulheres. Na verdade Betty Davis herdava a força da música negra e partia, a cada música que criava, para uma exploração e uma afirmação de pré-punk com fusão de blues e de funk que não deixavam ninguém indiferente.
Sem conceder em nada, explorando temáticas como a sexualidade e a liberdade, de forma destemida e inventiva fez mais do que a sua quota parte para mudar o mundo. Foi ainda companheira e musa de nomes como Eric Clapton ou Robert Palmer e desiludida com a tirania da indústria musical, acaba por cruzar outro oceano para passar uma longa temporada no Japão entre silêncio e monges.
A partir de meados dos anos oitenta voltou às origens, vivendo calmamente as últimas décadas numa pequena comunidade.
Em 2017 um documentário de Phil Cox recupera a sua história e o seu legado. Deixou-nos em 2022 e felizmente este ano, meia década depois da estreia, a sua obra mereceu reedição pela Light In The Attic. E vale mesmo a pena descobrir a música e a vida de Betty Davis e tentar depois entender como é que quase ninguém ouviu falar dela...