Opinião
Música | Delia Derbyshire: a mulher que ousou manipular o som e o tempo
Não é de estranhar que vários escritos a apresentem como a pioneira da música electrónica. Impôs-se num mundo de homens
“O que estamos a fazer agora não é importante por si só, mas talvez um dia possa inspirar alguém a continuar este caminho e a criar algo maravilhoso a partir destas bases”
Uma mulher, na década de cinquenta, qualificada e apaixonada pelo som e pela música a querer trabalhar no meio musical era quase ficção, Delia desafiou todo esse contexto e não é de estranhar que vários escritos a apresentem como a pioneira da música electrónica de quem ninguém se lembra. Impôs-se num mundo de homens, deslumbrou nomes como Berio, Stockhausen, George Martin ou Brian Jones, interpretou o conceito de música concreta e, com o que tinha à mão, revolucionou a forma como se faz e se ouve música, num tempo sem computadores nem sintetizadores.
Delia gravava pequenos sons em fita e cortava e colava aos bocados, operando ao mesmo tempo com várias máquinas e bobinas para chegar a ritmos e melodias.
Nasceu na pacata Coventry em 1937 e aos três anos de idade a família mudava-se para fugir às tropas alemãs e Delia passava o tempo escondida com a companhia do rádio. Cerca de um ano depois já era ela que ensinava a ler e escrever aos miúdos da sua idade e quando termina os estudos do secundário concorre para a universidade mesmo sabendo que a percentagem de mulheres admitidas era extremamente diminuta e que dificilmente seria aceite. Oxford e Cambridge dizem-lhe prontamente que sim e esta última oferece-lhe uma bolsa para estudar matemática e electricidade que a leva depois a matemática e música.
A editora Decca, a quem concorreu assim que acabou os estudos, respondeu-lhe logo que não empregavam mulheres e acabou uns bons anos a dar aulas e a trabalhar em comunicações até conseguir ir para Londres trabalhar em promoção enquanto aguardava uma oportunidade que fosse, que apareceu em 1960, quando conseguiu ser aceite como assistente nos estúdios da BBC e começou de imediato a mostrar conhecimentos e capacidades que surpreenderam os próprios realizadores e dois anos depois já integrava a unidade de efeitos sonoros da BBC, onde se criavam os jingles, teasers, indicativos, sons e efeitos sonoros para a emissão de rádio.
O seu percurso foi tão impactante que pouco tempo depois já estaria também a ser chamada para a sonoplastia dos programas de televisão. A sua criação para o genérico da série Doctor Who marca toda uma geração e inicia uma nova era na música tal e qual se conhecia. Os conceitos de sampling, looping, reversing, transposition ou filtering que Delia Derbyshire consolidou até podiam não ter sido tão importantes por si só, mas acabaram por ser. E mais, como ela própria previa, inspiraram muitos a continuar esse caminho e a fazer algo maravilhoso e revolucionário.