Opinião
Música | Kim Gordon: a eterna miúda do futuro
Ao ouvir o novo e brilhante disco de Kim Gordon ficamos com a noção de que ela até pode ter sido a maior força criativa dos Sonic Youth
Kim vai comemorar o seu septuagésimo primeiro aniversário na próxima semana e acabou de lançar aquele que é um dos, senão o, melhor e mais arrojado disco do universo Sonic Youth deste milénio.
Não deixa de ser curioso pensar que a miúda do baixo e da voz da juventude sónica tenha “apenas” menos três anos e meio do que o avô Tom Waits. E não deixa de ser surpreendente que continue, como ninguém, a transformar exploração e revolução em música arrojada que tanto surpreende os fãs dos “entas” como incendeia o Tik Tok, nunca deixando de apontar novos caminhos.
A influenciar decisiva e planetariamente gerações de músicos desde o início dos anos oitenta, em 2011 os Sonic Youth acabavam, depois do divórcio de Kim e Thurston Moore (o reconhecível líder da banda). Nos anos seguintes foram vários os seus elementos que se arriscaram em carreiras a solo e projectos colaborativos dos quais se destacaram a carreira a solo de Thurston Moore, as aventuras sempre interessantes (e algumas bem inesperadas) de Lee Ranaldo e, sobretudo, a constante exploração de Kim Gordon num sem número de áreas.
Em pouco mais de meia dúzia de anos colabora e cria com Ikue Mori, junta-se a Bill Nace em Body/Head e lançam três discos, produz outros artistas, volta a estreitar relações de criação e curadoria aos universos do design e da moda, entra no cinema ao lado de nomes como Gus Van Sant, participa em séries como Animals, da HBO, escreve um livro de memórias absolutamente imperdível, Girl in a Band, inaugura a sua primeira exposição no Andy Warhol Museum e lança o seu primeiro disco a solo, No Home Records, em 2019.
Até cansa olhar para este ritmo frenético em que Kim Gordon embalou na fronteira dos sessenta anos de idade, mas também nos prova a força criativa avassaladora que sempre foi e que esteve décadas escudada por ser a única mulher numa banda de homens, num meio em que as mulheres ou eram vocalistas e divas ou dificilmente teriam o reconhecimento merecido.
Ao ouvir o novo e brilhante disco de Kim Gordon ficamos com a noção de que ela até pode ter sido a maior força criativa dos Sonic Youth.
Mas se considerações destas valem o que valem, o que interessa é que nunca baixou os braços, nunca deixou de criar uma obra absolutamente disruptiva, revolucionária e que tem tanto de agregadora das músicas do presente como de projecção da música do futuro.
Neste disco há rock, há trap, há mundo, há jazz, há uma alma e uma garra imensas que não parecem ser de ontem nem de hoje. Kim Gordon é a eterna miúda do futuro.