Opinião
Música | Voltar à neve
Pelo quinto ano consecutivo, o meu Janeiro rima com frio, neve e música numa cidade do norte da Holanda.
Rumo então, de novo, a Groningen onde, por estes dias, decorre mais uma edição do ESNS, vulgarmente conhecido por Eurosonic e, depois de três edições onde sempre estive acompanhado de projectos que actuavam - First Breath After Coma em 2017, Surma em 2018 e Whales em 2019 - sabe bem voltar a estar, como se costuma dizer, à civil.
Sem a preocupação de ter de convidar determinadas pessoas para showcases, sem questões técnicas, de produção, promoção e horários.
Em 2016, chegava dias depois do desaparecimento de David Bowie e o Museu de Groningen tinha precisamente patente a magnífica exposição Bowie Is, víamos novatos em palco como Dua Lipa, Mura Masa, Aurora ou a primeira aparição dos Liima e, no final dessa edição, tinham sido contratados mais de 400 concertos de mais de 140 artistas, apenas nos cerca de 100 festivais da rede ETEP (European Talent Exchange Program).
Tendo em conta que andam por cá mais de mil programadores de festivais, podemos ter uma ideia dos números avassaladores que se alcançam.
Apesar da proliferação de festivais de showcases um pouco por todo o lado, é no Eurosonic que muitos nomes aparecem pela primeira vez e têm uma oportunidade decisiva.
É claro que, para a memória, só ficam os casos de sucesso e, por cada ano, saem quatro ou cinco nomes muito fortes, uns 20 ou 30 que conseguem uma aventura internacional interessante e os restantes cento e tal ficam com uma experiência mais ou menos proveitosa, tendo em conta os seus passos seguintes.
Sabe bem voltar à cidade que se fecha sobre a música durante quatro dias e que reúne, anualmente uma imensa família.
Sabe ainda melhor tomar atenção à transformação que se opera nessa mesma cidade a partir de um evento âncora como este.
Todos os anos com pequenas novidades, mantendo o centro de convenções como base, mas inovando a forma como dispõe a programação e os espaços.
E como isso se reflecte também na forma como os habitantes de todas as idades usufruem do Festival e como a Groningen se prepara, cada vez melhor, para o receber.
Não deixa de ser curioso que, com uma residência anual de três dias, e sem falar uma palavra de holandês nos passemos a sentir também um pouco “proud to be a farmer” e desenvolvamos hábitos e rotinas tanto com os locais, como com os profissionais que inundam a cidade.
E isso, se calhar, é a melhor prova de nos sentirmos bem-vindos, predispostos e sugestionados. E, consequentemente, de haver tanta reunião que chega a negócio concreto.
Este parece ser um exemplo de que a gestão do espaço, das pessoas e a envolvência criada e gerida são determinantes para que o centro de muito negócio da música passe por esta cidade de agricultores, bem longe de uma capital, bem no norte da Europa, numa época do ano em que neva e que o frio chega aos ossos.